Porque não enfatizamos o feminicídio?

Violência contra a vida de quem menos pode se defender não é nossa meta de divulgação, por entendermos que determinadas postagens incentivam.

Porque não enfatizamos o feminicídio?

O feminicídio não é um desvio estatístico, nem um crime isolado cometido “por acaso”. Ele é o ponto final de uma longa cadeia de violências que a sociedade insiste em minimizar, relativizar ou silenciar. A pergunta que precisa ser feita não é apenas quantas mulheres morrem, mas por que essas mortes não ocupam o centro do debate público com a gravidade que exigem.

Não damos ênfase ao feminicídio porque ele escancara uma ferida estrutural: a desigualdade de gênero profundamente enraizada nas relações sociais, familiares, políticas e institucionais. Reconhecer o feminicídio como prioridade significaria admitir que o Estado falha, que a Justiça chega tarde, que a cultura machista ainda dita comportamentos e que a violência contra a mulher não é exceção, mas padrão recorrente.

Há também a banalização da violência. Quando uma mulher é assassinada, muitas vezes o noticiário busca explicações na vida da vítima: a roupa, o relacionamento, a decisão de sair, de ficar, de denunciar ou de não denunciar. Raramente o foco recai de forma firme sobre o agressor e sobre o sistema que permitiu que ele chegasse ao extremo do assassinato. Assim, a narrativa se inverte: a vítima passa a ser julgada, enquanto o crime é tratado como “tragédia”, “crime passional” ou “fatalidade”.

Outro fator é o desconforto político. Dar ênfase ao feminicídio exige políticas públicas consistentes, investimento em prevenção, educação, acolhimento, proteção e punição efetiva. Exige orçamento, planejamento e, sobretudo, vontade política. É mais fácil transformar o tema em discurso pontual em datas simbólicas do que enfrentá-lo como problema permanente.

A sociedade também falha ao tratar a violência contra a mulher como assunto privado. A lógica de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ainda persiste, mesmo que travestida de discursos modernos. Essa omissão coletiva custa vidas. Cada feminicídio anunciado foi precedido por sinais ignorados, denúncias não apuradas, pedidos de socorro desacreditados.

Não dar ênfase ao feminicídio é uma escolha — consciente ou não — de manter o status quo. É aceitar que mulheres continuem morrendo pelo simples fato de serem mulheres. Romper esse silêncio exige mais do que indignação momentânea; exige mudança cultural, compromisso institucional e pressão social contínua.

Enquanto o feminicídio não for tratado como prioridade absoluta, ele continuará sendo apenas mais um número nas estatísticas. E cada número representa uma vida interrompida, uma família destruída e uma sociedade que falhou em proteger quem mais precisava.

Creditos: Professor Raul Rodrigues