A traição na política é o mais natural dos apêndices da política

Quem pensa trair pode estar sendo o traído. Desde o político ao mais simples "apoiador" das ruas. Política não é para todos.

A traição na política é o mais natural dos apêndices da política

A política, em sua essência, é um jogo de interesses. Não há novidade nisso. O que poucos admitem, porém, é que a traição é parte integrante desse tabuleiro – não como desvio, mas como apêndice natural, quase orgânico, de uma atividade construída sobre poder, alianças circunstanciais e sobrevivência. A traição, nesse universo, não é exceção; é método, ferramenta e, muitas vezes, moeda de troca.

Em cenários onde lealdade é frequentemente proclamada, mas raramente praticada, os vínculos políticos são tão frágeis quanto promessas de campanha. Os acordos firmados à mesa do jantar se desmancham ao amanhecer, quando surge uma oportunidade mais rentável ou estratégica. O aliado de hoje pode ser o adversário de amanhã, assim como o inimigo declarado pode se transformar repentinamente em parceiro de conveniência. É nesse vaivém de interesses que a traição floresce com naturalidade.

O eleitor, por sua vez, observa perplexo essa dança de incoerências. Para quem está de fora, a traição parece quebra moral; para quem está dentro, ela é apenas um movimento tático. O político que abandona seu grupo, que rompe compromissos ou que vira as costas a quem o projetou costuma justificar o gesto com discursos nobres: “mudança de rumo”, “coerência com meus valores”, “em nome do povo”. Mas na maioria das vezes, são apenas cortinas de fumaça para preservar a aparência enquanto o jogo real — o jogo bruto — se desenrola nos bastidores.

E é justamente nessa naturalização da traição que reside o maior problema: quando ela se torna habitual, perde-se qualquer parâmetro ético de longo prazo. O compromisso público vira ornamento. A palavra perde valor. O político que hoje trai sem escrúpulos não encontra limites amanhã para trair novamente. E, ao se tornar prática estrutural, a traição contamina toda a cadeia decisória, fortalecendo o cinismo e enfraquecendo a confiança social nas instituições.

No fim, a política brasileira — e não só ela — vive desse paradoxo: precisa de alianças sólidas para funcionar, mas se alimenta de rupturas oportunistas para se reorganizar. Por isso, a traição não apenas existe; ela se repete, se renova e se aperfeiçoa como um apêndice indispensável à própria lógica do poder. Cabe ao eleitor, cada vez mais atento, distinguir quem faz política com convicção e quem enxerga a lealdade apenas como um degrau temporário rumo ao próximo cargo. Porque a traição pode até ser natural na política — mas não precisa ser permanente na escolha do voto.

Creditos: Professor Raul Rodrigues