STJ destaca papel na justiça climática durante a COP30
10/11/2025, 12:15:58Afrânio Vilela, presidente da 2ª Turma: "decisões buscam o equilíbrio entre proteção ambiental, desenvolvimento econômico e justiça social"
O ministro Afrânio Vilela, presidente da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em entrevista exclusiva ao Cenário Jurídico, comenta sobre o papel do judiciário diante da COP30 - o maior evento global das Nações Unidas para discussão e negociações intergovernamentais sobre mudança climática -, que começa nesta segunda-feira (10), em Belém. Para Vilela, o tribunal tem assumido o papel central na consolidação da jurisprudência ambiental no Brasil. Ele diz também que o STJ vai participar ativamente da COP30, e lembra que as decisões da 2ª Turma, em consonância com a agenda climática, têm sido no sentido de buscar por um equilíbrio entre proteção ambiental, desenvolvimento econômico e justiça social.
O STJ irá acompanhar a COP30 que começa nesta semana em Belém?
Sim, estamos vivenciando a agenda climática e a COP30, tanto assim que o Superior Tribunal de Justiça vai participar ativamente da COP30 e eu também, na condição de presidente da segunda turma, que é de Direito Público e trabalha esta turma com o direito ambiental, lá estarei.
Há decisões que relacionam diretamente a jurisprudência ambiental à agenda climática e à COP30?
O STJ possui decisões no sentido de que o dano ambiental é intergeracional, pois impõe às gerações presentes o dever de solidariedade para com as gerações futuras. Assim, para além da rejeição da teoria de fato consumado, da necessidade de reparação integral do dano, já se decidiu que a natureza do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é fundamental e difusa, não confere ao empreendedor um direito adquirido de, por meio do desenvolvimento de sua atividade, agredir a natureza, ocasionando prejuízo de diversas ordens à presente e também às futuras gerações. Já se decidiu que a continuidade de atividades de extração mineral sem as devidas autorizações, licenciamentos, estudos de impactos ambientais, bem como medidas para coibir e reparar a degradação natural dela decorrente, traz risco de dano grave à ordem pública, assim compreendida e necessária a proteção ao meio ambiente e ao patrimônio imaterial tombado.
Em que casos o STJ reconheceu a importância da participação social em políticas ambientais?
O STJ tem, sim, reconhecido a importância da participação social em políticas ambientais. Cito, por exemplo, a recente afetação do IAC 21 para discussão da possibilidade ou da impossibilidade ou das condições de exploração de gás e óleo de fontes não convencionais, denominadas óleo e gás de xisto ou folhelo, mediante o fraturamento hidráulico, o fracking, considerado o arcabouço jurídico vertido nas leis números 6.938, que é de 1981, e 9.433, de 1997, que é a política nacional da mudança do clima, além de outras normas protetivas do meio ambiente e biomas nacionais. Então, para embasar o julgamento do IAC, que é um incidente que promana a grande importância da temática, está agendada a audiência pública para o dia 11 de dezembro próximo, e para esta audiência pública foram convidados diversos atores do setor direta e indiretamente vinculados a fim de permitir uma ampla discussão da matéria que merece ser discutida.
Que papel o Tribunal pode exercer na consolidação das metas brasileiras de redução de emissões?
Esse papel, levando em consideração um país de dimensões continentais e que em cada região enfrenta pressões ambientais de natureza diversa, é necessário que o STJ, no exercício de sua missão constitucional, uniformize a interpretação da legislação federal ambiental, permitindo que sejam conciliados a preservação ambiental e o desenvolvimento regional e nacional. E por meio da consolidação de uma jurisprudência em matéria ambiental, e essa jurisprudência tem que ser sólida e coerente.
Como a atuação do STJ pode servir de referência para o fortalecimento da justiça climática no âmbito internacional?
Em um segundo momento, o STJ fortalece a justiça climática no âmbito internacional, que é o que vai ser tratado na COP30, por meio da promoção de debates com a comunidade jurídica global, como o Simpósio Internacional Juízes e Mudanças Climáticas, realizado em junho deste ano. O fato é que o Superior Tribunal de Justiça tem assumido o papel central na consolidação da jurisprudência ambiental no Brasil. As decisões desta segunda turma, em especial, revelam a busca por um equilíbrio entre proteção ambiental, desenvolvimento econômico e justiça social em um momento decisivo para a credibilidade climática do país diante da COP30.
E decisões recentes deste tribunal consolidam a responsabilidade, por exemplo, objetiva em matéria de danos ambientais. Esse entendimento veio reforçado pela primeira sessão que une as duas turmas de direito público, que ao apreciar o tema repetitivo 1204, fixou que as obrigações ambientais possuem natureza pró-terreno, sendo possível exigi-las à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual de qualquer dos anteriores ou de ambos, ficando isento de responsabilidade aquele alienante cujo direito real foi acessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido direta ou indiretamente.
Como o tribunal tem aplicado o princípio do poluidor-pagador em casos de impacto climático e degradação ambiental?
O princípio do poluidor-pagador traz uma responsabilidade para aqueles casos de dano ambiental notório ou de modalidade que se dissipa rapidamente no ambiente. Em regra, é desnecessária a realização até mesmo de perícia para sua constatação, bastando a prova da conduta imputada àquele agente nocivo, cabendo a este demonstrar que do seu ato não resultaram os impactos negativos normalmente a ele associados. Esse entendimento foi aplicado em caso de restaurante que havia lançado ilegalmente esgoto in natura em um rio. Ao apreciar o caso, a segunda turma concluiu que essa atitude, ao ser notória, causa risco à saúde e ao meio ambiente, provocado pelo lançamento irregular de esgoto, ainda destituído de qualquer forma de tratamento em corpos de água, corrente ou não. Essa violação da lei se acentua quando se cuida de atividade comercial ou de área ambientalmente sensível, abrigo de espécies ameaçadas de extinção ou titular de valor paisagístico ou turístico, de modo que a ausência ou a impossibilidade da prova técnica não inviabiliza o reconhecimento do dano ambiental e o subsequente dever de completa reparação material, moral, individual e coletiva. Com isso, o Superior Tribunal de Justiça procura equilibrar a tutela ambiental com a viabilidade econômica de projetos sustentáveis.
A consolidação da jurisprudência relacionada à aplicação dos princípios da precaução, da reparação integral do dano e do poluidor-pagador, aliado à vedação do reconhecimento de direito adquirido em matéria ambiental, tem o condão, sim, de encorajar a adoção de projetos sustentáveis com a transição para atividades econômicas de menor impacto ambiental.
O tribunal tem reforçado o princípio da precaução em contextos de risco climático e incerteza científica?
Com base nesse princípio da precaução, o STJ afirmou entendimento pela possibilidade de inversão do ônus da prova nas ações civis ambientais, atribuindo ao empreendedor a prova de que o meio ambiente permanece rígido, mesmo com o desenvolvimento de sua atividade. Esse precedente levou à edição da súmula 618, que diz da inversão do ônus da prova a ser aplicada às ações de degradação ambiental.
Quais julgados responsabilizam entes públicos por omissões em casos de desastres ecológicos?
O STJ tem entendimento ainda sobre a responsabilidade dos entes públicos por omissões em casos de desastres ecológicos, que esse entendimento está consolidado na súmula 652, que contém mais ou menos a seguinte redação: A responsabilidade civil da administração pública por danos ao meio ambiente decorrente de sua omissão no dever de fiscalização é de caráter solidário, mas de execução subsidiária, ou seja, primeiramente executa-se o particular, o empreendedor, a pessoa jurídica, e depois, no que for remanescente, executa-se o ente público.
Em que decisões o STJ reconhece o direito ao meio ambiente equilibrado como um direito fundamental autônomo?
O STJ tem reconhecido o direito ao meio ambiente equilibrado como um fundamento autônomo para preservação desses nossos recursos para esta e para as futuras gerações, como promana a Constituição Federal. E o reconhecimento desse direito ao meio ambiente equilibrado é evidenciado em diversos precedentes, especialmente aqueles em que é afastada a existência de fato consumado em matéria ambiental. Então, sobre essa temática, esta segunda turma decidiu que a teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar e a perenizar suposto direito de poluir, como se adquirido fosse, o que vai de encontro ao postulado constitucional do meio ambiente equilibrado como um bem de uso comum do povo, essencial à adequada qualidade de vida. Esse posicionamento está consolidado na súmula 613 do Superior Tribunal de Justiça.
Que entendimentos recentes abordam a proteção de biomas estratégicos como Amazônia e Cerrado?
Ultimamente, alguns entendimentos têm abordado a proteção de biomas estratégicos como a Amazônia e Cerrado. Em recente julgamento, a primeira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 225, § 4º, da Constituição da República, atribui proteção jurídica qualificada à floresta amazônica, à mata atlântica, à serra do mar, ao pantanal matogrossense e à zona costeira, ao arrolá-los como patrimônio nacional, razão pela qual os danos ambientais em tais áreas implicam ilícito lesivo a bem jurídico da coletividade nacional, cuja reparação há de ser perseguida em suas mais diversas formas. Assim, com base nessa premissa, é de ser concluído que a ilícita supressão de vegetação nativa situada na floresta amazônica contribui de maneira inexorável para a macro-lesão ecológica à maior floresta tropical do planeta, de modo que seria devida a compensação financeira pelos danos imateriais difusos, cuja constatação deve ser objetivamente aferida, de modo in re ripsa, prescindindo-se de análises subjetivas de dor, de sofrimento ou de angústia.
Como o tribunal tem interpretado o licenciamento ambiental à luz da segurança jurídica e da transição energética?
O Tribunal, na sua missão constitucional, tem interpretado o licenciamento ambiental à luz da segurança jurídica e da transição energética, possuindo precedentes no sentido de que falar de licenciamento ambiental é falar de autorização e licença, o que implica dizer que, em regra, os mecanismos de garantia da sociedade e das gerações futuras aplicáveis na expedição de licença ambiental se impõem simetricamente na própria autorização. Uma outra forma de atuação do Superior Tribunal de Justiça, visando essa proteção que todos devem outorgar ao meio ambiente e ao clima.
Enfim, a manutenção da nossa qualidade de vida para esta e para as futuras gerações é no sentido da ampliação do papel positivado das ONGs e do Ministério Público na tutela ambiental coletiva.
O STJ tem ampliado o papel de ONGs e do Ministério Público na tutela ambiental coletiva?
São inúmeros os julgados deste Superior Tribunal de Justiça que, com amparo no artigo 1º, inciso 3, da lei 7347, de 1985, reconhecem a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública com o objetivo de impedir ou reparar danos ao meio ambiente. Dentre muitos, poderíamos citar a grava interna no RESP 1-983-113 de Sergipe, outro do Ceará, enfim, inúmeros julgamentos no Superior Tribunal de Justiça. De igual modo, são numerosos os julgados que, com base no artigo 5º, inciso 5º da lei 7347, reconhecem a legitimidade de associações de defesa do meio ambiente, a legitimidade ativa para a propositura de ações, ressaltando que o juízo de verificação da pertinência temática deve ser responsavelmente flexível e amplo. Merecem destaque as decisões proferidas pelo STJ no âmbito de ações civis públicas decorrentes do projeto Amazônia Protege, de iniciativa do Ministério Público Federal, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o IBAMA, e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Essas ações tiveram como origem o exame de imagens de satélites em que é identificada a existência de desmatamento ilegal, contudo, em muitos casos não foi possível a identificação dos responsáveis pessoalmente, mesmo após consulta aos cadastros e aos dados públicos fundiários, como, por exemplo, o Sistema de Gestão Fundiária, o Sistema Nacional de Certificação de Imóveis, Programa Terra Legal, todos vinculados ao INCRA e ambientais, como, por exemplo, o CAR, Cadastro Ambiental Rural.
Como o tribunal trata a obrigação de recuperação integral do meio ambiente degradado?
O Tribunal trata com muito cuidado, mas com muita responsabilidade, a obrigação de recuperação integral do meio ambiente degradado. E a jurisprudência é firme no sentido de que essa reparação deve ser feita de forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área lesionada não exclui o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado, bem como pelo dano moral coletivo e pelo dano residual, ou seja, a degradação ambiental que subsiste, não obstante os esforços de restauração. Esse entendimento está consolidado na súmula 629 do Superior Tribunal de Justiça, que diz que quanto ao dano ambiental é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer acumulada com a de indenizar. Sobre esse tema, tive a oportunidade de relatar caso em que a segunda turma concluiu que a reparação integral do dano ambiental não se confunde com a restauração integral da área degradada ao estado anterior. Esta somente afasta a indenização do dano residual, mas não afasta a indenização do dano interino já definitivamente experimentado. A restauração futura da área, ainda que integral, em nada compensa esse dano interino, já certo e inequívoco, experimentado pela coletividade humana e pela própria natureza.