Mais de 100 mil corpos de escravizados em cemitério antigo

Mais de 100 mil corpos de escravizados em cemitério antigo

Estudos arqueológicos revelam passado oculto


Pesquisas arqueológicas realizadas no antigo cemitério da Pupileira, em Salvador, capital da Bahia, indicam que o local abriga os restos de mais de 100 mil pessoas, principalmente escravizados africanos, indígenas, ciganos e pobres marginalizados. O sítio está soterrado sob o estacionamento do Complexo da Pupileira, pertencente à Santa Casa de Misericórdia da Bahia. O local funcionou por cerca de 150 anos, desde o século XVII até 1844, quando as sepulturas foram transferidas para o Cemitério Campo Santo, na Federação.

Descobertas significativas


O levantamento foi coordenado pela arqueóloga Jeanne Almeida durante o mês de maio e incluiu escavações que identificaram fragmentos ósseos humanos e artefatos que confirmam o uso do local como vala comum. "É um tema de relevância para a formação da memória social e coletiva da Bahia e do país, pois estamos falando de séculos em que pessoas foram retiradas de seu território de maneira forçada para serem escravizadas e que tiveram seus laços quebrados e memórias apagadas", afirmou Almeida durante a apresentação dos resultados no Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Metodologia de pesquisa


A pesquisa foi inspirada em trabalhos anteriores em Belém, capital do Pará, e conduzida em conjunto com a arquiteta urbanista Silvana Olivieri, que utilizou mapas do século XVIII, imagens de satélite e referências bibliográficas para localizar o sítio. O MP-BA mediou a cooperação com a Santa Casa via Termo de Ajustamento de Conduta, garantindo que a escavação ocorresse dentro de parâmetros técnicos e legais.

Memória coletiva e reparação histórica


O cemitério abrigava sepulturas de pessoas que viviam à margem da sociedade, incluindo não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes, como líderes da Revolta dos Malês (1835), Revolta dos Búzios (1798) e Revolução Pernambucana (1817). "O próximo passo é garantir a proteção do local enquanto sítio arqueológico de memória sensível e promover uma escuta social dos movimentos sociais, lideranças religiosas e espirituais a fim de iniciarmos um processo de reparação histórica", explicou o promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Nudephac (Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural).

Contribuições e participações


A reunião no MP-BA, realizada na última terça (21), contou ainda com a participação das promotoras Cristina Seixas e Lívia Sant’Anna Vaz, representantes da Santa Casa, do Iphan, da Fundação Gregório de Matos e do Ipac. Também participaram a pesquisadora Silvana Olivieri, a arqueóloga Jeanne Almeida e o advogado e professor Samuel Vida. Durante o encontro, foi reforçada a recomendação técnica do Iphan para reconhecer o local como "Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos" e suspender imediatamente o uso como estacionamento. Segundo Almeida, as etapas de campo incluíram a coleta e preservação de fragmentos ósseos, análise laboratorial e levantamento de materiais associados às sepulturas.