Lula deve escolher aliado e ignorar diversidade

Lula deve escolher aliado e ignorar diversidade

O impacto da escolha de Lula no STF

Um jornalista que mora na periferia e pega o ônibus todos os dias para chegar à sede de uma hipotética redação de jornal no centro da cidade não vai escrever sob a mesma ótica de quem acessa o mesmo local em dez minutos de carro.

Há noções de mundo que só são adquiridas vivendo determinadas experiências. E o mundo é bem maior do que a esquina (e os dilemas) de nossa casa, por mais que tentem, desde crianças, nos convencer de que o Sol nasce para todos e todos têm as mesmas oportunidades. Não têm.

O mesmo vale para um gabinete político.

Ou para um tribunal.

Um homem responsável por julgar determinado caso não sabe o que uma mulher passa para transitar na mesma cidade onde habita. Ignora o que é ser assediado por causa de uma roupa. Ou ter de enfrentar uma bateria de violências para chegar até a sua mesa e fazer o seu trabalho. A começar pelas piadas, brincadeiras e constrangimentos que inferiorizam e subestimam capacidades. Mesmo que tenha frequentado as mesmas universidades.

Se for um homem branco, é bem provável que ele faça pouco caso de um relato sobre discriminação. Não tem ideia do que é ser revistado para entrar no supermercado. Ou ficar na mira da polícia quando sai de manhã para correr. Ou ouvir que não pode ficar com a vaga por critérios de seleção não muito bem explicados.

Quando se fala em diversidade, é essa orientação de vivências que está em jogo. Quem nunca passou por uma situação de assédio não sabe a dor que é ser assediado. Muitas vezes não está sequer interessado em saber.

Um tribunal diverso é um prisma de uma sociedade igualmente diversa. Quando ele é composto pelo mesmo grupo social, a dor e a vivência de quem convive em contextos distintos passam desapercebidos.

A questão dos direitos reprodutivos é um exemplo. Geralmente ela é conduzida por homens que não sabem o que é serem impactados por nove meses de gestação e outras tantas responsabilidades historicamente destinadas a mulheres. Estes jamais saberão o que é assinar um despacho enquanto precisam amamentar.

Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, apenas Cármen Lúcia poderia dizer com propriedade o que é atuar em um território em que homens são maioria -- e os desafios que isso representa. Na mais alta corte do país, ela já entra em campo com um placar de 10 a 1 a favor dos pares.

Com a aposentadoria precoce de Luís Roberto Barroso, o presidente Lula tem a chance de fazer valer um compromisso histórico assumido na campanha e materializado no dia da posse, quando levou para a rampa do Palácio do Planalto representantes da diversidade brasileira: uma mulher branca, outra negra, um líder indígena, uma pessoa com deficiência, etc. Este último poderia falar melhor do que ninguém o que é acesso à cidade. E o que é não conseguir chegar a espaços onde a maioria das pessoas frequenta com facilidade porque há buracos na calçada e faltam vagas especiais no sistema de transporte.

É preciso saber o que se passa para além do nosso umbigo para poder se sensibilizar com temas que, em tese, não nos atingem.

Nas mãos de Lula está uma lista, entregue por entidades da sociedade civil, com nomes de mulheres altamente preparadas para assumir a vaga de Barroso.

Lula pode sinalizar que diversidade importa em suas tomadas de decisões.

Mas, ao que tudo indica, prefere escolher um novo aliado, como já fez em três anos de mandato, ao nomear Cristiano Zanin e Flávio Dino. Um foi seu advogado. O outro, seu ministro da Justiça.

Agora um outro homem deve ser nomeado. Com ele, fica praticamente garantidas as decisões alinhadas ao que pensa o próprio governo. Porque já foi governo. Por isso Jorge Messias, atual chefe da Advocacia Geral da União, surge como favorito.

Era ele quem, em 2016, levaria um termo de posse para Lula quando Dilma Rousseff, então presidenta, decidiu nomear o antecessor como ministro da Casa Civil. A conversa foi interceptada ilegalmente por Sergio Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela condução dos casos da Lava Jato. E virou meme devido à dicção da presidenta, que o chamou de “Bessias”.

Messias tem um trunfo sobre outros concorrentes. Ele é evangélico e pode abrir as águas hoje turvas para Lula e o PT neste segmento social. Ok. Mas ainda será um outro homem branco a decidir os rumos do país quando diante de julgamentos de questões centrais -- e diversas.

Ao escolher o aliado, Lula mostra que prefere garantir um aliado a apostar no equilíbrio de uma corte pouco diversa – como é, aliás, a composição de seu governo, majoritariamente masculino.

A frente ampla não pode ser só um mosaico de partidos contemplados. É também um mosaico de vivências que se empobrecem quando todos à mesa são tão parecidos entre si.