Quando o bolso furado assume o “poder” da língua solta

A hipocrisia política que transforma a falta de coerência em discurso e o discurso em moeda de troca. Por vezes a flata de audiência inverte o papel do meio de comunicação por anuúncios circenses.

Quando o bolso furado assume o “poder” da língua solta

Há um tipo curioso de político — e de gente — que, quando o bolso está cheio, fala pouco, sorri muito e finge neutralidade. Mas basta o bolso furar, o poder escorrer e os privilégios se esfarelarem, que a língua se solta como enxurrada em ladeira. É nesse momento que o silêncio dá lugar à verborragia, e o "companheiro" de ontem se torna o "traidor" de hoje.

O fenômeno é antigo, mas nunca deixa de ser atual: o bolso e a língua são irmãos siameses na política. Enquanto o bolso vai bem, a língua é prudente, comedida e diplomática. Quando o bolso sangra, a língua vira espada — corta alianças, fere reputações e tenta rasgar o passado com palavras de conveniência.

Esses personagens são fáceis de identificar. Falam demais quando perdem o que tinham, acusam o sistema do qual fizeram parte, se dizem “livres” depois que foram dispensados, e juram que agora falam “a verdade” — como se a verdade tivesse ficado escondida no fundo do bolso furado.

A ironia é que, no poder, a língua solta incomoda. Fora dele, é instrumento de sobrevivência. E o público, acostumado a esse teatro, já aprendeu a diferenciar quem fala por convicção e quem fala por carência.

O “bolso furado” é, portanto, um símbolo da decadência de muitos que confundem lealdade com conveniência. Quando o poder não alimenta mais, alimenta-se do ódio, da crítica e da fofoca política. A língua se torna o último instrumento de relevância — o eco de quem não aceita ter saído de cena.

E é justamente aí que mora o perigo: o poder da língua solta, quando movido pelo bolso vazio, não constrói — destrói. Não fala para esclarecer — fala para ferir. Não busca justiça — busca vingança.

No fim, resta apenas o eco das palavras ditas por conveniência e o silêncio de quem sabe que poder e caráter não deveriam depender do tamanho do bolso.

Quer que o artigo soe mais literário e metafórico (com mais ironia e ritmo de crônica) ou mais analítico e político (com foco em exemplos e crítica social direta)? Posso ajustar o tom.

Creditos: Professor Raul Rodrigues