Israel desenvolve medicina para trato de reféns libertados

Israel desenvolve medicina para trato de reféns libertados

País se prepara para receber 22 reféns que, durante dois anos, foram submetidos à tortura e privações graves


Miriam Sanger, de Israel
Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.

Israelenses e judeus de todo o mundo aguardam, com a respiração suspensa, o retorno de 22 reféns que foram mantidos prisioneiros pelo Hamas durante quase 780 dias. Sabe-se que, em nenhum momento, eles tiveram acesso a cuidados médicos, alimentação adequada, luz do sol ou ventilação, além de terem sido sujeitos a incessantes torturas físicas e psicológicas. Todos foram mantidos a maior parte do tempo em túneis a até 50 metros abaixo do solo, um ambiente úmido, sem iluminação natural e sem oxigenação adequada.

Esse é um evento inédito na história recente. Nenhum país moderno teve de se preparar para receber cidadãos que passaram tanto tempo confinados em túneis, privados de luz solar, de cuidados e do convívio humano. Por isso, os profissionais de saúde israelenses estão desenvolvendo um novo campo de atuação médica, batizado de "medicina do cativeiro", voltado aos primeiros-socorros, tratamentos e consequente reabilitação física e emocional dessas pessoas.

Nas últimas horas, um jornal israelense divulgou que a Cruz Vermelha está em contato direto com parte dos reféns e notificou o governo de Israel de que vários deles estão em estado grave de saúde. Essa informação não foi confirmada. Se for verdadeira, terá sido a primeira vez, desde outubro de 2023, que a organização teve qualquer contato pessoal com os sequestrados.

Tratamento multidisciplinar

Assim que cruzarem a fronteira entre Gaza e Israel a bordo de ambulâncias da Cruz Vermelha, eles serão transferidos para três diferentes hospitais israelenses. Lá, se reunirão com seus familiares mais próximos, em áreas isoladas e protegidas da imprensa e do público.

As equipes médicas aprenderam lições importantes com as duas libertações anteriores, em novembro de 2023 e janeiro de 2025: são necessárias semanas ou até mesmo meses para compreender os danos físicos e psicológicos causados pelo cativeiro. Para tanto, o tratamento envolverá nutricionistas, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e diversos especialistas da área médica.

Sabe-se que os reféns passaram longos períodos acorrentados, sem espaço para se levantar ou se movimentar, sem exposição à luz solar, praticamente sem acesso à água potável e a alimentos. Nenhum recebeu tratamento para ferimentos sofridos durante a captura. Muitos viveram meses em total isolamento, submetidos a abusos e tortura tanto física quanto psicológica.

"O aprisionamento prolongado cria uma memória no corpo, como se fossem camadas", explicou Michal Steinman, diretora de enfermagem do Hospital Bellinson que atendeu israelenses libertados nas duas negociações anteriores. "Leva tempo para ver o resultado em seus corpos e em suas almas." Muitos reféns que retornaram em janeiro de 2025 ainda permanecem internados, recebendo fisioterapia intensiva, acompanhamento psiquiátrico e sessões de reabilitação cognitiva.

Período prolongado no hospital

Outra lição aprendida foi a importância de manter o ex-refém sob cuidados hospitalares por um período prolongado, para garantir uma "aterrissagem" gradual na vida fora dos túneis. Além disso, a equipe médica precisa de sensibilidade para decidir o que requer tratamento imediato e o que pode esperar alguns dias ou semanas. Também é necessário reeducar o corpo para a alimentação: cada paciente recebe um plano individual para reaprender a digerir e metabolizar alimentos.

Assistentes sociais e psicólogos têm a missão de ajudá-los a reconstruir laços e a dinâmica de relacionamentos — com cônjuges, filhos e amigos. Afinal, passaram dois anos convivendo com captores que controlavam cada minuto de suas vidas, muitas vezes usando violência e privação como forma de dominação psicológica. Eles terão de reaprender o que é liberdade, intimidade e confiança.

As famílias, entre elas aquelas que nunca tiveram nenhuma notícia de seus entes queridos desde seu sequestro, estão sendo acompanhadas por psicólogos para se prepararem emocionalmente para o reencontro.

O drama das famílias de reféns mortos

Espera-se que o Hamas devolva também os corpos de quase 30 reféns. Parte deles foi assassinada ainda em 7 de outubro de 2023, durante a invasão do grupo terrorista ao sul de Israel; outros morreram em cativeiro. Embora o acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas preveja a entrega de todos, o grupo terrorista já informou ter perdido o controle sobre a localização de vários corpos.

Israel montou uma equipe de identificação e resgate de restos mortais em Gaza — um processo demorado, arriscado e, em muitos casos, provavelmente infrutífero. Na tradição judaica, os corpos são considerados tão sagrados quanto a alma. Enterrar os mortos com dignidade e segundo os rituais religiosos é uma necessidade espiritual profunda, sem a qual as famílias não conseguem processar a perda.

Depois de dias de grande euforia com o anúncio do cessar-fogo, os israelenses — assim como os judeus em todo o mundo — vivem horas de tensão e expectativa. O país se prepara para acolher os sobreviventes e, ao mesmo tempo, enterrar seus mortos.