Papa critica política anti-imigração de Trump em exortação
10/10/2025, 01:33:14Crítica à política anti-imigração
Em seu primeiro documento dogmático oficial, a exortação apostólica "Dilexi te" ("Ele te amou"), emitido pelo Vaticano nesta quinta-feira (9), o papa Leão XIV critica as desigualdades sociais e menciona a política anti-migratória do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao defender a proteção dos imigrantes. A exortação apostólica é um documento emitido pelo papa com orientações gerais ou específicas a grupos como o clero ou os jovens. Em comparação a outros textos papais, a exortação é menos solene do que a encíclica, que geralmente aborda temas morais ou doutrinários, e a constituição apostólica, que costuma lidar com questões legislativas e administrativas. É o primeiro documento de grande importância oficial emitido por Leão XIV desde que assumiu o pontificado em maio.
Conteúdo da exortação
A exortação apostólica "Dilexi te", que possui 104 páginas, foi iniciada pelo Papa Francisco. Leão XIV explica que Francisco preparava, "nos últimos meses de sua vida", uma exortação apostólica sobre o cuidado da Igreja com os pobres. "Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu - acrescentando algumas reflexões - e ao apresentá-lo no início do meu pontificado", declara.
Três capítulos do “Dilexi te” abordam especificamente a situação dos imigrantes no mundo, traçando paralelos com a Bíblia. No capítulo 73, Leão descreve Maria, José e o Menino Jesus como imigrantes, afirmando que a experiência da migração acompanha a história do catolicismo. No capítulo 74, o papa destaca o trabalho dos santos no cuidado com os imigrantes europeus no século XIX, quando mais de 40 milhões de pessoas deixaram a Europa rumo ao Novo Mundo entre 1850 e 1913. No capítulo 75, Leão XIV fala sobre o acolhimento de estrangeiros como uma tradição do catolicismo, institucionalizada por meio de centros de acolhimento para refugiados, missões nas fronteiras e a Caritas Internacional. Ele lembra que o papa Francisco defendia a missão da Igreja junto aos migrantes como algo mais amplo.
Apelo à ajuda aos imigrantes
Nesse contexto, o primeiro papa norte-americano a liderar a Igreja Católica faz um apelo urgente para que o mundo ajude os imigrantes, referenciando diretamente e de forma negativa as medidas que Donald Trump defende, como a construção de muros na fronteira. “A Igreja, como mãe, caminha com os que caminham. Onde o mundo vê ameaça, ela vê filhos; onde se erguem muros, ela constrói pontes. Pois sabe que o Evangelho só é crível quando se traduz em gestos de proximidade e acolhimento; e que em cada migrante rejeitado, é o próprio Cristo que bate às portas da comunidade”, afirma o pontífice no documento, fazendo alusão à crítica de Francisco em 2016 a Trump como 'não cristão' devido ao plano do presidente de construir um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México.
Esse trecho do documento chama a atenção, uma vez que, desde que foi eleito em maio para suceder Francisco, Papa Leão XIV tem se demonstrado mais reservado do que seu antecessor, que frequentemente criticava o governo Trump. Em recentes respostas às críticas do papa, a Casa Branca reiterou que Trump foi eleito com base em suas promessas, incluindo a deportação de “imigrantes ilegais criminéis”.
Desigualdade social
Na sua primeira exortação apostólica, Leão XIV também afiança que o clamor dos pobres desafia a todos e ressalta que as respostas da humanidade para combater a desigualdade continuam insuficientes. "No rosto ferido dos pobres, encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo", complementa o papa. Ele ainda menciona diversas formas de pobreza "multifacetada": "a pobreza de quem não tem meios de subsistência material, a pobreza de quem é marginalizado socialmente, a pobreza moral e espiritual, a pobreza cultural, e a pobreza de quem não tem direitos, nem lugar, nem liberdade". O papa cobra uma mudança de mentalidade no mundo e alerta para a "ilusão de uma felicidade que deriva de uma vida confortável e leva muitas pessoas a ter uma visão centrada na acumulação de riquezas e no sucesso social, a ser alcançado mesmo explorando os outros e aproveitando ideais sociais e sistemas político-econômicos injustos, favoráveis aos mais fortes".
"Assim, em um mundo onde os pobres são cada vez mais numerosos, vemos paradoxalmente crescer algumas elites ricas, que vivem numa bolha de condições demasiado confortáveis e luxuosas, quase em um mundo à parte em relação às pessoas comuns", ressalta o papa.
Referência a Irmã Dulce
Além disso, há uma referência na exortação apostólica ao trabalho da brasileira Irmã Dulce, canonizada em 2019 como "Santa Dulce dos Pobres" pelo papa Francisco. "Irmã Dulce enfrentou a precariedade com criatividade, os obstáculos com ternura, a carência com fé inabalável. Começou acolhendo doentes num galinheiro e dali fundou uma das maiores obras sociais do país. Atendia milhares de pessoas por dia, sem jamais perder a doçura. Fez-se pobre com os pobres. Vivia com pouco, rezava com fervor e servia com alegria. A sua fé não a retirava do mundo, mas lançava-a ainda mais profundamente nas dores dos últimos", afirma Papa Leão XIV.
Além de ser um instrumento orientador para os católicos, o texto da exortação apostólica também é visto como uma indicação das prioridades de Leão XIV para os próximos anos.