Isabel Allende discute feminismo e liberdade no Chile

Isabel Allende discute feminismo e liberdade no Chile

Isabel Allende retorna ao Chile após seis anos

Isabel Allende retorna ao Chile após seis anos de ausência para apresentar sua nova novela, Yo soy Emilia del Valle, publicada pela Sudamericana. A escritora chilena, que vive em Sausalito, Califórnia, volta ao país onde cresceu para narrar a história de uma jovem escritora e jornalista que chega ao Chile em 1891 para cobrir a Guerra Civil e, ao fazê-lo, descobre suas raízes e a identidade do pai chileno. A obra, segundo a autora, reúne memória, coragem e uma leitura afiada do presente, conectando passado e atualidade sem perder o pulso humano que caracteriza seus livros.

Um romance que cruza passado e presente

Ao falar da protagonista Emilia del Valle, Allende descreve uma jovem que é ao mesmo tempo cidadã de sua época e pesquisadora de sua própria identidade. O romance situa a protagonista em meio a um Chile mergulhado numa guerra e revela como a história familiar se entrelaça com a história nacional. A autora, que não reside no Chile desde 1973, por causa do golpe de Estado de Augusto Pinochet, demonstra a mesma agudeza que tem para navegar entre humor, política e temas existenciais, reforçando por que é a escritora em língua espanhola mais lida da atualidade. "Na novela, Emilia del Valle fala do conceito de ‘mujer buena’, diante do qual ela se rebela. Na era atual, a liberdade vem de aceitar quem você é, da independência interior e de não carregar com lastros."

Entre desejo, envelhecimento e a construção de personagens femininas

O tema do desejo aparece com naturalidade na entrevista. A autora observa que o desejo pode persistir com a idade, desde que haja saúde e qualidade de relacionamento. "O desejo não some com o tempo; depende da saúde e da relação que você tem com a outra pessoa." Sobre a protagonista, Allende afirma que o amor e o desejo permeiam as vidas de seus personagens, inclusive em idades avançadas. "Aos 25 anos, todos desejam; aos 25, as hormonas ainda funcionam," ela brinca, para em seguida reconhecer que as dinâmicas mudam com o passar dos anos.

Valorização das mulheres e o retorno de temas políticos

Convidada a comentar sobre figuras públicas contemporâneas, Allende afirma que não se interessa por retratar figuras como Melania Trump, preferindo personagens que representem coragem histórica, como Inés de Suárez, que atravessa o deserto em nome do amor ao Chile. Em suas palavras, "a ideia de que as mulheres devem permanecer no papel tradicional é cada vez mais rechaçada pela imaginação de quem escreve."

A escritora ressalta que muitas mulheres de idade avançada vivem solitárias, mas não por isso deixaram de manter uma vida intensa. Em sua visão, a velhice pode ser excelente quando se tem uma rede de apoio — família, amigas e vizinhos — e quando não se recusa a manter a curiosidade sobre o que acontece no mundo. "Ter uma comunidade é essencial. Estar sozinha pode ser muito triste, mas a solidão não é uma fatalidade," ela observa, ao falar de seu círculo de relações na vida real.

Chile, democracia e o futuro da igualdade

O conversation revela a visão de Allende sobre o cenário chileno contemporâneo. Ela afirma que o Chile possui instituições sólidas, uma Constituição que orienta o comportamento cívico e políticas que, apesar de divergentes, preservam a democracia. "Somos um país de centro; quando vamos a extremos, as coisas tendem a ficar ruins, e queremos evitar que o péndulo gire demais," diz a autora, que acredita na proteção das estruturas democráticas diante de pressões populistas.

Resistência cotidiana e perspectivas para o futuro

Ao falar de seus atos de resistência diária, Allende admite que suas maiores dificuldades são pessoais. "Meu maior vício é a preguiça, que preciso vencer todos os dias. Levanto às seis pela disciplina que me foi ensinada pelo meu avô," ela ri, descrevendo o ritual matinal que a mantém em movimento. Ela acrescenta que o exercício físico, a escrita e o amor são combustível para enfrentar as complexidades do mundo.

Sobre o que a mantém em pé, Allende aponta o amor como fator central. "Eu sou uma eterna apaixonada e tenho a sorte de ter uma parceria recente. Não é necessário manter relacionamentos de longa duração; é preciso renovar as regras de convivência," afirma, mantendo uma visão leve sobre a vida pessoal. Ao encerrar, a escritora reiterou uma ideia que marca sua obra: "O amor pode ser mais determinante que o horror." e lembrou que o amor materno — em todas as espécies — é uma força que define a nossa espécie.

Ao final, Allende reforça que seu compromisso com o feminismo permanece ativo, por meio de sua vida pública e de sua fundação dedicada a apoiar mulheres. Neste contexto, a autora assinala que a história da humanidade é um arco que, embora passe por retrocessos, tende a avançar em direção à democracia, inclusão e direitos iguais, mesmo que o caminho seja longo e sinuoso. A entrevista revela uma escritora que, mesmo diante de desafios políticos e existenciais, vê na memória e na imaginação ferramentas para entender o mundo e inspirar mudanças. Em suas palavras finais, "O arco da história é para mais progresso, para mais inclusão e para mais democracia."