O lado sinistro da propaganda

O lado sinistro da propaganda

Por Miriam Sanger, de Israel

Miriam Sanger é jornalista, iniciou sua carreira na Folha de S.Paulo e vive em Israel desde 2012. É autora e editora de livros, além de tradutora e intérprete. Mostrar Israel como ele é – plural, democrático, idiossincrático e inspirador – é seu desafio desde 2012, quando adotou o país como seu.
Visitei na semana passada a fábrica de Oskar Schindler, cuja história se tornou famosa por causa do filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Transformada em museu, ela está localizada na Cracóvia, cidade ao sul da Polônia que, justamente por causa da atenção chamada pela obra, foi salva da pobreza e do abandono causados por décadas de dominação soviética.
Quem diria: a cidade que foi adotada como a “capital polonesa” do governo nazista e depois oprimida pelo comunismo foi salva por um diretor de cinema judeu quando ele decidiu abordar o destino de seus judeus ali. Hoje, a Cracóvia é um destino turístico disputado, cuja área mais vibrante e jovem é justamente o seu bairro judaico.
(Antes do Holocausto, viviam ali entre 60 e 80 mil judeus; ao fim da guerra, restaram cerca de 4 mil. Hoje vivem ali aproximadamente mil judeus.)

A propaganda nazista
Se por um lado a propaganda positiva gerada pelo filme salvou a cidade, por outro é possível entender, dentro do museu, como a sinistra propaganda nazista condenou sua população judaica. Por um lado, foi minuciosamente criada a imagem de uma Alemanha soberba, heroica e moral; por outro, fotos, vídeos, pôsters, rádios, jornais etc. espalharam a lenda urbana do judeu como inimigo desprezível da sociedade, uma espécie sub-humana que merecia ser subjugada, explorada, condenada e morta.
Essa é a propaganda tão bem-sucedida que vimos então e que levou à morte de 6 milhões de judeus. A propaganda anti-Israel que domina o mundo hoje é bastante similar e também tem alcançado resultados magistrais.

Al Jazeera, a rede midiática estatal do Catar, conduz a mais efetiva campanha mundial de demonização de Israel. Abusa de imagens fabricadas, testemunhos falsos e acusações que não conseguem ser confirmadas em números. Dentro de Gaza, Abu Ubeida, morto recentemente pelo exército israelense, concebeu e coordenou a propaganda do Hamas. Seu rosto – se é possível dizer assim – tornou-se conhecido pelo mundo, uma vez que ele foi o porta-voz do grupo terrorista nas últimas duas décadas.

A propaganda do Hamas
Ubeida construiu uma rede de propaganda do Hamas com cerca de 1,5 mil colaboradores. Cada batalhão e brigada da ala militar contava, durante toda essa guerra, com uma “unidade de publicidade”. De acordo com sua estratégia, a operação militar é menos importante do que sua documentação – afinal, o Hamas entende que sua força não reside em seu exército, mas sim na forma como ele conta a história. O Hamas sabe que a única coisa que pode vencer Israel é a pressão internacional. E você, leitor, é o cliente de Ubeida.
Ele também coordenou toda a captura de imagens durante a invasão de 7 de outubro de 2023: os combatentes do Hamas tinham câmeras Go-Pro acopladas ao corpo e transmitiram imagens das barbáries até mesmo em tempo real, por meio do Telegram e do Facebook. Ubeida também concebeu todas as imagens que foram divulgadas dos reféns israelenses nesses quase dois anos de guerra, as quais enlouqueceram de dor a sociedade israelense. Apenas parte delas foi divulgadas pelo governo ao público em função do choque emocional que provocam.

Nas cerimônias de libertação de reféns, Abu Ubeida liderou pessoalmente os esforços de divulgação: ele compareceu às cerimônias e os instruiu pessoalmente antes que eles subissem ao palco. Por essa razão, eles por exemplo acenavam, beijavam a testa dos terroristas (!) e seguravam nas mãos “certificados de libertação”.
A cerimônia sinistra com os caixões da família Bibas sobre o palco também foi ideia sua, assim como as crianças palestinas que dali celebravam a morte dos bebês Kfir e Ariel. Ubeida assim garante que a população de Gaza e populações árabes ou pró-Hamas acreditem que o grupo terrorista está vencendo o conflito (no caso, sem dúvida vence a guerra de narrativas).

Em resumo, Ubeida foi o marketeiro que, com o domínio das mídias sociais, construiu a imagem do exército de Israel como organização genocida e desumana. Ainda que, como escreveu o jornalista francês Brice Couturier: “Um exército genocida não leva dois anos para vencer uma guerra em um território do tamanho de Las Vegas. Um exército genocida não envia alertas por SMS antes de disparar nem facilita a passagem daqueles que tentam escapar dos ataques. Um exército genocida não evacuaria, todos os meses, centenas de crianças palestinas que sofrem de doenças raras ou câncer, enviando-as para hospitais em Abu Dhabi como parte de uma ponte aérea médica criada logo após 7 de outubro. Falar de genocídio em Gaza é uma ofensa ao bom senso, uma manobra para demonizar Israel e um insulto às vítimas de genocídios passados e presentes.”
Assim como no passado, a guerra de narrativas continua a decidir o destino de povos.