Cármen Lúcia condena Bolsonaro e abre portas à prisão
11/09/2025, 19:33:32Como a Primeira Turma do STF formou maioria para condenar ex-presidente e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado
Nem o mais convicto apoiador de Jair Bolsonaro imaginava que Cármen Lúcia apareceria nesta quinta-feira (11) na Primeira Turma do STF com uma peruca à la Luiz Fux e livraria o ex-presidente das cinco acusações que pesam contra ele na trama golpista.
Como esperado, o voto da ministra moeu, em duas horas, o palavrório que por pouco não atravessou a madrugada no dia anterior. Dessa vez não teve incoerência nem ginástica retórica. Nem ninguém foi dormir perguntando como Mauro Cid, um ajudante-de-ordens, agiu contra a democracia sem ordem de ninguém. O chefe dele era Bolsonaro.
Curta, sem rodeios, e com muita alfinetada, a ministra fez o que se esperava e confirmou a condenação do ex-presidente por golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado.
Não sem antes avisar que votaria da mesma forma que sempre votou, sem acusar a (in)competência do foro da qual servia. "Seria casuísmo, gravíssimo, que alguns fossem julgados depois da mudança e fixação das competências que já exercemos inúmeras vezes e voltar atrás nessa matéria", disse ela, antes de soltar a metralhadora. Para bom entendedor, meia referência basta.
Carmen Lúcia fez o que Fux se negou a fazer num tempo seis vezes mais elástico: não ignorou a gravidade dos fatos nem evitou dar nome aos bois. "O 8 de janeiro de 2023 não foi uma acontecimento banal depois de um almoço de domingo quando as pessoas saíram para passear", disse ela, alinhada à fala do relator, Alexandre de Moraes.
Fux, na véspera, tratou de dizer que tudo não passou de uma grande carta de intenções de quem se aborreceu com o resultado das urnas. E se alguém saiu às ruas para quebrar tudo o que via não foi por indução: os golpistas de 8 de janeiro (condenados por ele, aliás) eram grandinhos o suficiente para serem tutelados por um governo que desde 2021 ataca as urnas e as autoridades do próprio país.
Se valesse o argumento do ministro, qualquer liderança poderia passar a vida dizendo que o legal era pular do quinto andar para curar a tosse – e, caso uma pessoa ou uma multidão o acompanhassem, tudo não passaria de uma decisão individual, em um caso, e de liberdade de expressão, do outro.
Cármen Lúcia fez questão de lembrar que não se brinca com a democracia. Caso contrário, o risco é ver o tiro acertar em quem senta ao nosso lado – no caso, Moraes, comprovadamente um alvo de planos de assassinato impressos em órgãos oficiais por servidores pagos para governar, e não para botar fogo no parque quando perdem as eleições.
O fogo, aqui, não é alegoria. "Quando se chama os kids pretos, caminhoneiros, tudo isso junto é de enorme violência. É violência praticada, violência institucional, violência política e violência direta contra os integrantes do Poder Judiciário", arrematou a ministra.
Com o voto, a Primeira Turma formou maioria para condenar Bolsonaro, o primeiro ex-presidente a ser sentenciado por tentar dar um golpe de Estado no país. Ao lado dele estarão os parceiros de empreitada, um deles arrependido, o delator Mauro Cid, que omitiu informações e foi e voltou muitas vezes à PF e ao STF para reafirmar a colaboração. Mas que definitivamente não agiu sozinho ou por livre e espontânea vontade, como Fux quis fazer crer.
O voto do ministro abriu algumas brechas para a contestação da defesa do ex-presidente e os outros sete réus no núcleo crucial. Mas as portas para a cadeia estão abertas. Até sexta-feira serão fixadas as penas de todos eles. E ela será maior do que esperava a defesa, que tentou de toda forma mostrar que abolição violenta do Estado democrático de Direito e tentativa de golpe eram crimes sobrepostos e não deveriam ampliar a pena certa.
A maioria dos ministros mostrou que sim: para o golpe dar certo, os acusados planejaram tirar de cena as autoridades capazes de detê-los. Tudo planejado, confessado (por alguns) e documentado. Fux fingiu que não viu a gravidade de nada em 12 horas de argumentação. Cármen Lúcia não deixou barato. Nem deixou passar.
Bolsonaro vai agora jogar todas as cartas na aprovação de um projeto de anistia que o mantenha solto e o reabilite para o jogo em 2026. A pressão no Congresso será cada vez maior. No caminho estão a caneta do presidente Lula (PT) e o próprio Supremo.*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG