Anistia: o sonho que nunca sairá do papel

Se houvesse anistia, a impunidade estaria acima da Constituição.

Anistia: o sonho que nunca sairá do papel

A palavra anistia carrega em si o peso da reconciliação e da promessa de apagar faltas cometidas em nome de um suposto bem maior. Em contextos políticos, surge como bandeira de grupos que desejam ver esquecidos seus atos, mesmo quando estes atentam contra a ordem democrática ou contra a própria Constituição. No entanto, por mais que seja evocada como solução rápida para crises institucionais ou como “pacto de pacificação nacional”, a anistia revela-se cada vez mais como um sonho impossível de se realizar no Brasil contemporâneo.

Primeiro, porque o país amadureceu em sua relação com a democracia. A sociedade já não aceita, com a mesma naturalidade de outrora, que crimes contra o Estado de Direito sejam varridos para debaixo do tapete em nome da “estabilidade política”. O período pós-ditadura ensinou que a impunidade abre caminho para novos abusos, criando um ciclo de reincidência e fragilização das instituições. Hoje, quando se fala em anistia a personagens ligados a golpes, corrupção ou ataques às instituições, a reação popular é de indignação e resistência.

Segundo, porque a própria estrutura jurídica brasileira limita o alcance desse instrumento. A Constituição de 1988, ao mesmo tempo que garante direitos, estabelece freios e contrapesos que dificultam a concessão de perdões coletivos para crimes de alta gravidade. A jurisprudência internacional também não admite anistiar atos que atentem contra direitos humanos ou contra a ordem democrática, o que coloca o Brasil sob vigilância de organismos globais.

Além disso, a anistia se tornou politicamente inviável. Nenhum governo, em um país polarizado como o nosso, teria força suficiente para sustentar uma medida que soaria como carta branca à impunidade. Se, por um lado, a medida agradaria a um setor radicalizado da sociedade, por outro, seria vista como traição por grande parte da população que defende a responsabilização plena dos culpados. O custo político seria maior que o benefício imediato.

Por fim, é preciso reconhecer que a anistia, como sonho de absolvição, revela mais a fragilidade dos que a pedem do que a força de quem poderia concedê-la. É o grito de quem teme enfrentar a Justiça, de quem sabe que a democracia exige responsabilidade e memória. Nesse sentido, insistir na anistia é insistir em negar o presente e o futuro democrático do país.

A anistia, portanto, não passa de uma miragem no deserto político brasileiro. Um sonho impossível de se realizar porque a história não permite mais retrocessos, a sociedade exige justiça e o Estado de Direito não pode se dobrar diante da conveniência. O perdão coletivo pode ser reconciliação em alguns contextos, mas, em se tratando de ataques à democracia, seria apenas o selo da impunidade.

Creditos: Professor Raul Rodrigues