Incêndios na Espanha e a crise do sistema
08/09/2025, 20:32:14Incêndios na Espanha: um retrato de crise sistêmica
Os incêndios que devastaram amplas áreas da Espanha e de diversas regiões do Mediterrâneo neste verão vão além de eventos meteorológicos extremos isolados. A sequência de fogos — de Turquia e Grécia à França e Espanha — sugere a emergência de uma nova normalidade climática, em que calor, seca e ventos extremos se combinam com decisões de uso do solo e políticas públicas que favorecem o lucro em detrimento da resiliência ecológica.
Contexto e números alarmantes
Até 2 de setembro, quase um milhão de hectares foram consumidos pelo fogo na União Europeia, índice que supera em quatro vezes a média histórica dos últimos 19 anos (2006-2024). Na Espanha, a área queimada passou de cerca de 40.000 hectares para mais de 380.000 em poucas semanas. Essas estatísticas expressam uma crise com consequências amplas: dezenas de milhares de desalojados, interrupção de infraestruturas essenciais e, tragicamente, vítimas fatais entre bombeiros e voluntários.
Causas que atravessam clima e economia
Estudos recentes, como o do World Weather Attribution, apontam que o aquecimento global multiplicou por 40 a probabilidade de ocorrência das condições que alimentaram os incêndios na península Ibérica e intensificou esses eventos em cerca de 30%. Entretanto, a análise não se limita a variações climáticas: pesquisadores que estudam os chamados "incêndios de sexta geração" argumentam que esses eventos são também consequência de um capitalismo global que mercantiliza territórios e enfraquece a proteção dos ecossistemas.
Na prática, isso se traduz em cortes de recursos para prevenção e combate aos incêndios — que caíram pela metade nos últimos 13 anos — e em políticas territoriais que favorecem expansão imobiliária, turismo de consumo e privatização de áreas comuns. Esse quadro amplia a vulnerabilidade rural e urbana, transformando incêndios em produtos de uma relação perversa entre economia e meio ambiente.
Impactos sociais e de saúde
Além das perdas materiais, a crise se manifesta em efeitos diretos sobre a saúde pública. O sistema de monitoramento CSIC (MACE) indicou cerca de 16.000 mortes atribuídas ao calor até 31 de agosto, um aumento significativo em relação a semanas anteriores. A pressão sobre hospitais, serviços de emergência e infraestrutura básica tende a se manter enquanto as condições climáticas extremas persistirem.
O debate político e a polêmica
O incêndio dos debates públicos é alimentado por frases e posições que polarizam a discussão. A afirmação do presidente da Generalitat de Cataluña de "sobram bosques" gerou críticas e acendeu um debate maior sobre o papel das florestas no contexto mediterrâneo. É preciso entender que, embora algumas áreas apresentem acúmulo excessivo de biomassa, a solução simplista de reduzir massa florestal ignora o papel das florestas no sequestro de carbono, na regulação térmica local e na proteção de solos.
Gestão adaptativa em destaque
Especialistas defendem que a resposta exige uma gestão florestal adaptativa, voltada à proteção da biodiversidade, ao controle sustentável da biomassa e ao fortalecimento dos vínculos entre comunidades e território. Medidas técnicas, como estratégia de corredores verdes, manejo integrado de combustíveis e restauração de solos, precisam ser acompanhadas por políticas públicas que priorizem investimentos de longo prazo em prevenção.
Propostas para um futuro mais resiliente
Uma das perspectivas levantadas por estudiosos e movimentos sociais é a adoção de modelos que enfrentem a lógica do curto prazo. Entre as propostas mais discutidas estão:
- Planejamento territorial que considere a proteção de ecossistemas como prioridade.
- Investimento em prevenção e no fortalecimento de brigadas locais e infraestrutura de resposta.
- Promoção da agroecologia e práticas comunitárias que mantenham a paisagem manejável e produtiva.
- Políticas de degrowth ou desacoplamento do crescimento econômico predatório, para reduzir a pressão sobre áreas rurais.
Essas iniciativas sinalizam caminhos que não se limitam a apagar o fogo, mas a transformar as relações entre economia, território e vida comunitária.
Movimentos de resistência e alternativas
Em paralelo às análises acadêmicas, surgem práticas e movimentos que propõem outras formas de habitar o mundo. Comunidades que adotam agroecologia, vilarejos que resistem à privatização de terras e movimentos por justiça climática apontam para modelos que valorizam o cuidado, a soberania alimentar e direitos coletivos. Essas experiências mostram que é possível combinar produção e conservação, reduzindo desigualdades e fortalecendo a resiliência local.
Leituras e reflexões
Obras como a de Alejandro Pedregal — que conecta fogo, estruturas de poder e economia do capital — reforçam a ideia de que o incêndio é expressão de uma ordem socioeconômica que precisa ser transformada. Para que a vida prospere em equilíbrio com os ecossistemas, é necessário repensar o desenho institucional e colocar o cuidado ambiental como prioridade pública.
Conclusão e chamada para ação
Os incêndios na Espanha e no Mediterrâneo não são apenas tragédias isoladas: são sinais de um sistema que conflita com os limites naturais. Enfrentar essa crise exige políticas públicas de longo prazo, investimentos reais em prevenção e um olhar que coloque comunidades e ecossistemas no centro das decisões. Se você se preocupa com o futuro do clima e do meio ambiente, informe-se, compartilhe este texto e participe das discussões locais sobre gestão florestal e planejamento territorial. A mudança depende tanto de políticas quanto da mobilização cidadã.