Defesa de Cid pede benefícios e réus negam golpe

Defesa de Cid pede benefícios e réus negam golpe

Julgamento na Primeira Turma do STF e as principais defesas

No primeiro dia de julgamento na Primeira Turma do STF sobre o núcleo central da suposta trama golpista de 2022, as defesas dos réus apresentaram argumentos focados na manutenção de benefícios e na contestação das provas reunidas pela acusação. A ação envolve nomes ligados às discussões sobre uma possível ruptura institucional após as eleições de 2022, com alegações levantadas pela PGR.

Contexto do caso

O processo investiga um grupo de envolvidos que, segundo a Procuradoria-Geral da República, teria papel relevante em planos para interromper a transição democrática após a vitória presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. Após a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes e a sustentação oral do procurador-geral Paulo Gonet, a palavra passou às defesas, que buscaram desconstruir pontos centrais da acusação e preservar direitos e acordos firmados.

Defesa de Mauro Cid: benefícios da colaboração premiada

Os advogados de Mauro Cid — ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro e delator no processo — pediram a manutenção dos benefícios da delação premiada. Em sua sustentação, a defesa afirmou que reduzir ou retirar vantagens negociadas representaria, na prática, o fim do instituto da colaboração premiada.

O advogado Jair Alves Pereira argumentou que, após anos sob medidas cautelares e afastamento de funções, seria incoerente premiar a ajuda e, ao final, punir com severidade: "Se a colaboração premiada dele é sólida, por que ele não teria os benefícios que ele ajustou? Não seria justo que o Estado, agora, depois de fazer tudo isso, com cautelares diversas da prisão há mais de dois anos, afastado de suas funções [...], que agora chega no final e o Estado diz 'você me ajudou, tudo certo, mas agora vou te condenar'. Se fizermos isso, acabou o instituto da colaboração premiada".

Os defensores destacaram ainda que informações relevantes para a investigação só vieram à tona em razão da colaboração de Cid, citando, por exemplo, a reunião de dezembro de 2022 entre Bolsonaro e chefes das Forças Armadas. Em seguida, o advogado Cezar Bitencourt ressaltou que a Polícia Federal não localizou mensagens atribuídas ao militar que o incriminassem diretamente: segundo ele, não há registros de conteúdos "propondo, incentivando ou validando qualquer atentado contra a democracia ou contra o sistema eleitoral".

Contestação das provas e alegações processuais

A defesa de Alexandre Ramagem pediu que elementos do chamado caso da "Abin paralela" não fossem aproveitados no julgamento principal. O advogado Paulo Renato Cintra Pinto alegou que a PGR cometeu erros ao relacionar provas e que, por conta do volume de material, houve falhas de análise. Ele citou um "equívoco grave" em relação a um suposto log de acesso ao sistema FirstMile e explicou que o registro referido tratava do acesso físico às dependências da Abin, e não de log digital: "O próprio MPF [Ministério Público Federal], diante deste extenso relatório, diante do reduzido prazo, não diria apressado, a PGR não teve tempo hábil para se debruçar. Tanto que houve um equívoco muito grave, sobre um suposto log de acesso ao FirstMile." "Ocorre que a autoridade policial não fez alusão a log de acesso a sistema algum. Esse registro de 15 de maio de 2019 era de acesso às dependências físicas da Abin."

Liberdade de expressão na defesa de Almir Garnier

Ao usar o tempo de sustentação para defender princípios constitucionais, o advogado do almirante Almir Garnier invocou a liberdade de expressão como linha de argumentação central. Demóstenes Torres afirmou que posturas dos réus estariam inseridas no âmbito da expressão pública e contestou a ideia de criminalização ampla das manifestações: "Tudo insere-se no exercício da liberdade". Em seguida, ponderou: "A liberdade de expressão pode ser criminalizada? As coisas mais desagradáveis podem ser ditas em nome da liberdade de expressão. As pessoas mais detestáveis podem dizer o que elas pensam."

Argumentos sobre a peça acusatória e a minuta encontrada

Entre os pontos mais sensíveis do processo está a minuta de ruptura democrática encontrada na residência de Anderson Torres. A defesa do ex-ministro apresentou perícias e documentos de companhias aéreas para rebater acusações e demonstrar que provas apresentadas pela PGR não provam dolo ou intenção de consumar um golpe. O defensor de Torres disse que seu cliente foi alvo de "linchamento moral" em relação a alegações sobre uma passagem aérea, e trouxe documentos que, segundo a defesa, comprovariam que a compra da passagem ocorreu com antecedência, contestando a narrativa acusatória: "Foi uma tentativa de levar os julgadores a erro. O Ministério Público tinha consciência que toda a sua tese acusatória se baseava numa ausência deliberada, uma espécie de fuga para os Estados Unidos".

Implicações jurídicas e políticas

O julgamento reúne questões sensíveis tanto do ponto de vista jurídico quanto político: a validade e o alcance da colaboração premiada, a utilização de provas colhidas em investigações paralelas, e o limite entre opinião e atuação que possa configurar crime contra a ordem democrática. As defesas insistem na fragilidade probatória e em interpretações que, na visão delas, extrapolam a linha entre erro, coincidência e dolo.

Principais pontos em disputa

  • Manutenção dos benefícios da delação premiada de Mauro Cid;
  • Validade das provas usadas pela PGR e origem de determinados documentos;
  • Alcance das decisões que já suspenderam tramitação em relação a alguns crimes;
  • Interpretação da liberdade de expressão frente a atos públicos e comunicações;
  • Perícias e contraprovas apresentadas pelas defesas para contestar narrativas da acusação.

O que esperar dos próximos dias

O julgamento segue com a análise detalhada das teses de defesa e das contraprovas juntadas aos autos. Decisões do STF no caso podem ter impactos duradouros sobre a forma como delações premiadas são tratadas, sobre a valoração de provas digitais e físicas e sobre a responsabilização de atores políticos e militares em episódios de crise institucional.

Conclusão

O primeiro dia de sustentação mostrou um conjunto de estratégias defensivas voltadas a preservar acordos, contestar a cadeia de provas e relativizar interpretações que associam condutas isoladas a um projeto de ruptura democrática. Com o desenrolar do julgamento, o país acompanha não apenas o desfecho processual, mas também debates centrais sobre democracia, prova e direito penal.

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