Empresas forçaram apoio a Bolsonaro com pressão e promessas
18/08/2025, 09:33:36Empresas condenadas por assédio eleitoral em 2022
Empresas de diferentes estados foram condenadas por assédio eleitoral nas eleições de 2022, quando usaram ameaças, promessas de benefícios e até distribuição de alimentos para coagir funcionários a apoiar Jair Bolsonaro. Relatórios apontam milhares de denúncias e revelam como a prática ainda compromete a lisura democrática.
Ameaças de demissão, promessas de folga e até mesmo distribuição de pernil foram algumas das táticas utilizadas. Um levantamento feito pela Folha na Justiça do Trabalho mostra que empresas de vários estados brasileiros já foram condenadas por ajudar Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022, tentando influenciar e manipular o voto de seus funcionários e colaboradores.
Com raízes no voto de cabresto imposto pelos coronéis na República Velha (1889-1930), o chamado assédio eleitoral motivou, na última eleição presidencial, uma série de ações judiciais. A reportagem teve acesso a 30 julgamentos recentes, em primeira ou segunda instância, nos quais empresas foram consideradas culpadas por condutas que alternam promessas de benefícios com pressão, intimidação e coação. Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 e atualmente em prisão domiciliar, Bolsonaro ainda será julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob a acusação de tentativa de golpe de Estado no final de seu governo para evitar a posse do presidente Lula (PT).
Casos de assédio eleitoral nas empresas
Em Minas Gerais, a Agronelli Ltda. foi punida por ter, de acordo com o desembargador Marcelo Pertence, buscado "influenciar e manipular o direito de escolha política dos empregados". Segundo o processo, a empresa colou adesivos com o nome de Bolsonaro nas mesas e computadores dos funcionários e promoveu palestras sobre o então presidente. Um diretor ainda afirmou que, se o PT vencesse a eleição, a empresa seria prejudicada e os funcionários seriam demitidos. Condenada a pagar R$ 10 mil a uma ex-funcionária, a Agronelli recorreu, declarando à Justiça que "nunca coagiu, intimidou ou influenciou o voto dos seus colaboradores" e que jamais obrigou seus funcionários a colocarem adesivos de Bolsonaro em seus veículos ou locais de trabalho.
Na Radiodoc (SP), um representante da empresa, segundo a ação judicial, disse que os funcionários "sofreriam as consequências" se não votassem em Bolsonaro. A empresa chegou a prometer uma folga para quem participasse de um evento da campanha de Bolsonaro. Condenada em duas instâncias, a Radiodoc negou "veementemente" os fatos relatados à Justiça.
Na Sada Bioenergia e Agricultura (MG), um motorista com 12 anos de empresa foi demitido aos 64 anos por ter se recusado a usar um adesivo de Bolsonaro, afirmando ao encarregado que distribuía o material de campanha que era eleitor de Lula. "O respeito à formação de convicção política de forma autônoma e livre é condição essencial à democracia", afirmou o desembargador Marco Aurélio de Carvalho ao condenar a Sada. A empresa disse à Justiça que a dispensa já estava prevista e que não houve assédio.
No Paraná, a Transben Transportes foi condenada por, segundo a juíza Camila de Almeida, ter enviado um vídeo aos funcionários pedindo para que votassem em Bolsonaro. "Se o Lula ganhar, vai ter desemprego. Nossa empresa vai sofrer bastante", afirmou o representante. Na gravação, ele também mencionou que o motorista que votasse em Bolsonaro receberia um "auxílio" para retornar para casa no dia da eleição. Na defesa apresentada à Justiça, a empresa disse que "sempre respeitou a preferência política dos seus empregados".
Já no Espírito Santo, a Febracis foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil por tentar coagir uma auxiliar administrativa a votar em Bolsonaro. A pressão aumentou com a aproximação do segundo turno. A empresa afirmava que a eleição era uma "guerra espiritual" e que Bolsonaro seria o enviado de Deus. "O comportamento habitual da superiora hierárquica não pode ser considerado tolerável em um ambiente corporativo", disse o desembargador Soares Heringer na decisão, enquanto a empresa negou ter exercido qualquer tipo de perseguição política.
O Frigorífico Serradão, de Betim (MG), de acordo com uma ação aberta por um magarefe, distribuiu camisetas amarelas com menções ao slogan de Bolsonaro e prometeu uma peça de pernil a quem comprovasse que votou no então presidente. "Os vídeos [anexados ao processo] demonstram claramente a realização da reunião nas dependências da empresa, e a uniformização amarela dos empregados, todos vestidos em nítido apoio a um determinado candidato imposto pela empresa", destacou o juiz Augusto Alvarenga na sentença. O Serradão, em sua defesa, alegou que não obrigou nenhum trabalhador a usar a camiseta amarela e que nunca ofereceu vantagem para quem votasse em Bolsonaro.
A realidade do assédio eleitoral no Brasil
Eneida Desiree Salgado, professora de direito constitucional e eleitoral da Universidade Federal do Paraná, que estuda a questão do assédio eleitoral, observa que em cidades pequenas, para cargos como vereador e deputado, é comum que as empresas verifiquem o mapa de votação para saber se, na zona eleitoral do seu funcionário, houve voto no candidato indicado. "Assim como o voto de cabresto no contexto do fenômeno do coronelismo da Primeira República, o que está em jogo não é apenas a liberdade de um voto. Com a existência do assédio eleitoral, toda a lisura do sistema é posta em risco", afirma.
Um relatório do Ministério Público do Trabalho apontou o recebimento de 3.145 denúncias de assédio eleitoral na disputa de 2022, número que representa apenas a ponta de um iceberg, dado que muitos assediados optam pelo silêncio por temor de perder seus empregos. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2022 registrou que 4% dos eleitores disseram já ter enfrentado assédio eleitoral. O MPT, durante a eleição, assinou 560 termos de ajuste de conduta com empresas e abriu 105 ações civis públicas. Uma delas foi contra a SLC Agrícola S.A., do Piauí, condenada em segunda instância a pagar R$ 100 mil em danos morais coletivos por impor uma escala atípica para dificultar o voto dos trabalhadores no segundo turno, onde Lula obteve mais de 74% dos votos no primeiro turno. De acordo com a sentença, 34 funcionários foram convocados para trabalhar em uma fazenda distante dos locais de votação, enquanto apenas dois foram convocados nos domingos anteriores. A empresa não ofereceu transporte para que os funcionários pudessem acessar as urnas a tempo de votar. O desembargador Marco Caminha afirmou na decisão que a empresa "obstou o exercício do voto por parte dos empregados". A SLC alegou que não cometeu atalhos ilícitos e que a escala de trabalho no dia da eleição era necessária devido ao início do plantio da soja.
O mesmo argumento de que "jamais violou a liberdade de seus trabalhadores" foi apresentado pela Fomentas (MT), que foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil. O processo incluiu uma fotografia de funcionários segurando uma faixa com a frase: "Fomentas apoia Bolsonaro", além de mensagens de WhatsApp em que um líder de equipe disse que reuniu funcionários e exibiu vídeos de Lula "falando sobre aborto e sobre defender bandidos e drogas." A empresa afirmou à Justiça que, na referida reunião, "não houve pedido de voto" e que a fotografia foi feita de "livre e espontânea vontade".