Artefato de argila revela potencial relato bíblico antigo
07/08/2025, 17:32:21Ítem raro com nome ligado ao rei Josias foi achado em Jerusalém
Um minúsculo fragmento de argila, com tamanho semelhante ao de uma moeda, pode revelar pistas valiosas sobre um capítulo ancestral da história de Jerusalém. Pesquisadores do Projeto de Peneiração do Monte do Templo anunciaram nesta terça-feira (5) a descoberta de um selo milenar com inscrições em hebraico antigo, uma raridade associada diretamente a figuras citadas na Bíblia Hebraica. O objeto, conhecido como bula, era usado na Antiguidade para selar documentos e garantir sua autenticidade. A peça carrega a inscrição: "Pertencente a Yeda’yah (filho de) Asayahu", escrita em paleo-hebraico. Asayahu é uma versão estendida de Asaías, nome de um colaborador próximo do rei Josias, mencionado nas Escrituras durante o final do século VII a.C.
Segundo os arqueólogos, a bula se destaca por conservar quase todas as letras legíveis, algo incomum entre as mais de 500 mil peças examinadas ao longo dos mais de 20 anos de triagem do projeto. A identificação do selo foi feita por Mordechai Ehrlich, integrante da equipe, durante a análise de sedimentos onde também havia fragmentos de ossos. Para decifrar a inscrição, foi utilizada a técnica de Imagem de Transformação de Reflexão (RTI), que permite visualização em alta definição mesmo de superfícies desgastadas. Zachi Dvira, codiretor do projeto ao lado de Gabriel Barkay, destaca a importância do nome Asayahu. O sufixo "yahu", bastante comum à época, era usado para indicar ligação com a divindade YHVH (Javé). A presença do nome no selo sugere que o objeto pertenceu a uma autoridade influente do reino de Judá, possivelmente envolvida na administração do Templo ou na política do período.
Durante o reinado de Josias, a Bíblia relata a descoberta de um antigo pergaminho conhecido como Livro da Lei (Sefer haTorah) durante reformas no Templo de Salomão. O texto alertava sobre castigos severos (como seca, guerras e destruição) caso as leis divinas fossem ignoradas. Chocado com o conteúdo, o rei teria rasgado suas vestes em desespero e iniciado um extenso processo de reforma religiosa: destruiu ídolos, encerrou cultos pagãos e restaurou a adoração exclusiva a Javé em todo o território. Um de seus enviados de confiança era Asaías, chamado de "servo do rei" nas Escrituras, nome que coincide com o encontrado no selo recém-descoberto, em forma teofórica.
"É impossível afirmar com total certeza que se trata do mesmo personagem citado na Bíblia", pondera Dvira em entrevista ao The Times of Israel. "Mas o nome, o contexto arqueológico e o uso de um selo oficial tornam a conexão bastante provável." O Monte do Templo é considerado um dos locais mais sagrados do planeta, reverenciado por judeus e muçulmanos. Por questões religiosas e políticas, escavações diretas no local são proibidas. O material analisado pelo projeto foi retirado de forma indireta, entre 1996 e 1999, quando o Movimento Islâmico removeu cerca de 9 mil toneladas de terra da área durante uma obra sem autorização. Esse entulho foi descartado no Vale do Cedron e, anos depois, deu origem ao Projeto de Peneiração, idealizado por Barkay e Dvira. Desde então, mais de 260 mil voluntários, tanto de Israel quanto de outros países, se juntaram à iniciativa. O projeto já recuperou milhares de artefatos: moedas, fragmentos cerâmicos, joias e até ossos de animais queimados.
Mesmo com interrupções causadas pela pandemia de Covid-19 e pela guerra entre Israel e Hamas, as escavações continuam. Atualmente, os trabalhos ocorrem no Monte Scopus, em parceria com a Universidade Bar-Ilan. "Hoje temos tecnologias muito mais precisas", diz Dvira. "Conseguimos identificar objetos minúsculos que antes seriam ignorados. Descobertas como essa não só reforçam passagens bíblicas como também nos ajudam a entender melhor a organização política e religiosa da antiga Jerusalém."