Fux se distancia de Moraes e cria expectativa sobre Bolsonaro
23/07/2025, 04:41:11Fux se distancia de Moraes no julgamento de Bolsonaro
As indicações de que Fux pode ser um contraponto a Moraes no julgamento de Bolsonaro têm criado expectativas entre as defesas dos réus de que a eventual condenação do ex-presidente não seria unânime.
O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), se descolou do colega Alexandre de Moraes durante o julgamento da trama golpista e indicou que pode atuar como contraponto ao relator nas etapas finais do processo.
Em sessões, Fux enfatizou discussões apresentadas pelos réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre esses temas estão o tamanho das penas, os questionamentos sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid e a discussão de que os planos golpistas seriam apenas cogitações não levadas adiante.
Esse distanciamento de Fux gerou expectativas de que a eventual condenação do ex-presidente possa não ser unânime - algo que pode atrasar o cumprimento das penas, com a possibilidade de novos recursos a serem apresentados.
A leitura foi reforçada pelo voto do ministro no julgamento sobre as medidas cautelares contra Bolsonaro, que passou a usar tornozeleira eletrônica. Fux foi o único ministro do colegiado a se posicionar contra as restrições, afirmando: "A amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares".
O afastamento de Fux em relação a outros ministros da Primeira Turma é visto no tribunal como um dos motivos pelos quais ele, Kassio Nunes Marques e André Mendonça foram poupados da revogação de visto para os EUA pelo governo Donald Trump. Diferentemente dos outros dois ministros, que foram indicados à corte por Bolsonaro, Fux foi nomeado por Dilma Rousseff (PT) em 2011.
O envolvimento direto de Fux no processo da trama golpista foi considerado incomum por assessores de ministros, advogados do caso e outros ouvidos pela Folha de S.Paulo. O ministro participou até aqui de todas as etapas e sua conduta foi vista como uma tentativa de atuar de forma independente. Além de Moraes e Fux, a Primeira Turma é composta por Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Durante perguntas a testemunhas e réus no processo, Fux destacou questões que diferenciam a preparação para a execução de um crime. De acordo com a legislação, somente a partir do início da execução é que a tentativa é considerada um crime.
A tese de que não houve ato que configure a execução de uma tentativa de golpe de Estado foi levantada pelas defesas dos réus, incluindo Bolsonaro. Essa se configura como uma das linhas possíveis para buscar a absolvição dos acusados.
Fux já havia manifestado reservas sobre os tipos penais pelos quais os réus respondem desde o momento em que o colegiado tornou Bolsonaro e outros sete réus.
Disse Fux: "Eu tenho absoluta certeza de que, se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado. Na medida em que se coloca a tentativa como crime consumado há um arranhão na Constituição Federal".
É importante salientar que um crime, segundo o Código Penal, possui várias fases. A primeira consiste na cogitação de um ato, seguida por atos preparatórios. A tentativa se configura quando a execução do ato se inicia, mas é interrompida por fatores externos. A consumação é o passo final.
Moraes, ao receber a denúncia do terceiro núcleo, afirmou que, no caso de uma tentativa de golpe, a tentativa já seria considerada a própria consumação.
Assessores, pessoas próximas aos gabinetes e advogados do caso relataram que as perguntas feitas por Fux durante os interrogatórios chamaram a atenção. O próprio ministro não se manifestou quando procurado pela reportagem.
Fux fez questionamentos a sete dos oito réus, totalizando 39 perguntas - a maioria direcionada a Mauro Cid, o delator do caso. Ele questionou, por exemplo, a afirmação do tenente-coronel de que as falas de militares investigados eram "bravatas".
Fux também indagou Cid se a minuta golpista foi assinada por Bolsonaro em algum momento.
Ao receber a denúncia contra o núcleo central, o ministro levantou dúvidas sobre a legalidade da delação de Cid, que é o fio condutor da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República). "Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade", observou.
Na acusação de que o general Braga Netto teria usado uma sacola de vinho para financiar planos golpistas, Fux perguntou a Cid se ele viu o interior da sacola.
Alguns advogados dos réus avaliaram que Fux estaria delimitando quais atos foram realmente tentados.
Fux também questionou o almirante Almir Garnier sobre se houve uma ordem para que os manifestantes deixassem o quartel-general do Exército em direção à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
Além disso, ele questionou Bolsonaro sobre se consultou alguém, como o Conselho de Defesa ou o Conselho da República, antes de decidir não assinar a minuta golpista. Parte da estratégia da defesa do ex-presidente é enfatizar que, se Bolsonaro realmente quisesse avançar com algum plano, deveria ter acionado os órgãos competentes.
Fux tem acompanhado todas as sessões de perto, fazendo anotações, revisando documentos e analisando o material compartilhado por Moraes.
A advogada criminalista Flávia Rahal considera simbólica a assiduidade de Fux em acompanhar a instrução do caso, destacando que o ministro abriu espaço na agenda para tal.
Rahal declara: "Ele já vinha numa tendência de marcar uma posição que se distingue um pouco do ministro relator. Há simbolismo de criar um caminho próprio, dar o próprio olhar aos fatos".
Essa avaliação é corroborada pelo advogado e professor de direito penal Davi Tangerino, que afirma que a participação ativa de Fux e suas manifestações podem ser um indicativo de sua intenção de ser um contraponto a Moraes, embora seja difícil definir exatamente como isso se manifestará.
Fux diverge e vota contra as restrições impostas a Bolsonaro, afirmando que não há provas concretas de tentativa de fuga por parte do ex-presidente e considerando excessivas medidas como a tornozeleira eletrônica e o recolhimento noturno. A maioria da Primeira Turma, porém, manteve as restrições propostas por Alexandre de Moraes.