Histórico militar sobre Sarney revela traumas da transição

Histórico militar sobre Sarney revela traumas da transição

A Transição do Regime Militar para a Democracia


Quando o maranhense José Sarney tomou posse na Presidência da República em 15 de março de 1985, ele não assumiu apenas a posição no Executivo, mas também a esperança que grande parte da sociedade brasileira depositava no primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Essa esperança, na verdade, havia sido inicialmente depositada em Tancredo Neves, escolhido para liderar a transição política do país.

A morte de Tancredo, em 21 de abril daquele ano, fez com que o vice, Sarney, tivesse que lidar não apenas com a mudança de regime, mas também com as desconfianças dos militares. “Um grupo de militares considerava Sarney um traidor, pois até junho de 1984 ele era um quadro do regime, filiado ao PDS [Partido Democrático Social], o partido do governo militar”, afirma Marcos Napolitano, professor do departamento de História da USP.

O clima de insegurança era palpável, especialmente porque o último presidente militar, o general João Figueiredo, não estava satisfeito com a entrega do comando a Sarney. O novo presidente precisou agir rapidamente para garantir seu cargo em meio a um ambiente de desconfiança por parte dos militares, que, em um momento delicado da transição, chegaram a ameaçar não conceder posse a ele.

A Reação dos Militares


A insatisfação das Forças Armadas era reflexo da forma como Sarney havia se distanciado do regime militar nos momentos finais, o que deixou os líderes militares em alerta. “Lembremos que Tancredo faleceu antes de assumir o cargo, o que criou uma situação jurídica estranha. Como um vice poderia assumir o mandato se o presidente eleito não fora empossado antes de sua morte?”, questiona Napolitano. Essa transição conturbada tornou-se um desafio tanto jurídico quanto político.

Além disso, os militares estavam apreensivos com a possibilidade de uma revanche dos civis no poder. No entanto, a habilidade política de Sarney e sua experiência ajudaram a suavizar essa tensão. Ele se viu frente a frente com um dilema: precisava montar um governo próprio, respeitando, ao mesmo tempo, os acordos políticos estabelecidos por Tancredo.

Os Desafios Enfrentados


Ao assumir o cargo, Sarney enfrentou dois enormes desafios: a reconstitucionalização do país e a situação econômica. “Ele herdou uma inflação que vinha desde antes da ditadura, agravou-se durante o regime e desaguou nos anos 1980. O problema foi somente resolvido com o Plano Real,” explica Leandro Consentino, cientista político do Insper.

Após a morte de Tancredo, Sarney manteve a equipe de governo, uma decisão estratégica para não alarmar a opinião pública e garantir estabilidade. Ele sabia que mudanças bruscas poderiam desencadear reações negativas e, assim, procurou os militares para garantir que a transição fosse pacífica. O resultado foi a combinação de competições políticas e tentativas de manter a paz entre as diferentes facções da sociedade.

A Influência de Sarney na Nova República


Valdemar Ferreira de Araújo Filho, professor de ciência política da Universidade Federal da Bahia, destaca a importância da personalidade de Sarney durante esse período complicado. “Ele era um político de trajetória longa, muito hábil e conciliador”, afirma Araújo Filho. Essa habilidade se tornou crucial na construção de um governo que respeitava as normas e a história do país, enquanto navegava pelas novas exigências da democracia.

Por meio de negociações cuidadosas, Sarney conseguiu direcionar a transição, minimizando atritos e mantendo um canal de comunicação aberto com os militares. Esse equilíbrio foi vital para a implementação da nova Constituição em 1988, que estabeleceu as bases para a democracia no Brasil.

Os desdobramentos desse período foram significativos para a política brasileira, revelando como Sarney, apesar de ser visto com desconfiança por parte dos militares, conseguiu efetivar um processo de transição que resistiu a desafios imensos. O novo presidente foi além do seu papel inicial e tornou-se uma figura-chave na construção de uma nova realidade política em um Brasil que ansiava por liberdade e estabilidade.

Por fim, essa breve análise sobre a relação de Sarney com os militares durante sua presidência destaca não apenas os desafios enfrentados, mas também a plasticidade da política brasileira durante um momento crucial de sua história. Para refletir sobre esses momentos históricos e suas repercussões atuais, convido você a se aprofundar nos estudos sobre a transição democrática no Brasil.