Ucrânia e Europa rejeitam paz proposta por Trump
14/02/2025, 06:43:22
Ucrânia e Europa rejeitam paz proposta por Trump
Trump disse que irá se encontrar com Putin, provavelmente na Arábia Saudita, e afirmou que a Ucrânia deverá perder territórios e que nunca será admitida na aliança militar Otan.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A negociação de paz para acabar com a Guerra da Ucrânia sugerida por Donald Trump a Vladimir Putin em um telefonema gerou um terremoto político. A União Europeia e o governo ucraniano correram para afirmar que qualquer conversa deve incluir Kiev.
Após ter seus contatos iniciais rejeitados por Moscou, que considerou seus termos vagos e favoráveis a Volodimir Zelenski, Trump fez sua jogada na quarta-feira (12). Ele ligou para o russo, permanecendo uma hora e meia ao telefone, e depois relatou o teor da conversa ao ucraniano.
No seu caótico estilo, misturando postagens na rede Truth Social e declarações a repórteres na Casa Branca, Trump disse que irá se encontrar com Putin, provavelmente na Arábia Saudita, e ressaltou que a Ucrânia deverá perder territórios e nunca será admitida na aliança militar Otan.
Nesta quinta-feira (13), Zelenski destacou que os líderes mundiais não devem acreditar na prontidão de Putin para encerrar a guerra que se iniciou em 2022.
A chefe da diplomacia da União Europeia, a estoniana Kaja Kallas, enfatizou que qualquer acordo feito sem a participação da Ucrânia não funcionará. "Qualquer acerto rápido será um acordo sujo, algo que não funcionou antes", declarou.
Kallas ficou famosa por seu discurso anti-Putin assertivo quando era premiê de seu país. "Apaziguamento não vai funcionar. Se a Ucrânia decidir resistir, estaremos com ela", afirmou.
Em entrevista ao site Politico, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, foi mais realista. "Para mim, está claro que não deve haver solução [para a guerra] que não envolva os EUA. A próxima missão é garantir que não haja uma paz imposta [aos ucranianos]", disse.
Secretário de Trump nega traição
O secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth, negou que o chefe esteja "traindo a Ucrânia". Ele defendeu que o contato de Trump com Zelenski, além de outros diálogos com Kiev, comprova a boa intenção da Casa Branca.
Hegseth ainda desmentiu a ideia de que Trump está sendo manipulado por Putin. "Não se engane, o presidente Trump não permitirá que ninguém transforme o Tio Sam em Tio Otário", disse.
Resta combinar com os ucranianos. O chanceler do governo Zelenski, Andrii Sibiha, esclareceu ao jornal francês Le Monde que "nada pode ser discutido sobre a Ucrânia sem a Ucrânia, ou sobre a Europa sem a Europa".
Sibiha reiterou que a forma mais rápida de manter a estabilidade no Leste Europeu é a inclusão da Ucrânia na Otan, um compromisso que o bloco apoia desde 2008, mas que nunca foi concretizado devido à oposição russa, um dos pretextos para a invasão de Putin que completará três anos no dia 24.
Se fosse membro da Otan, a Ucrânia raramente seria invadida, visto que o artigo 5º da carta fundadora do bloco militar impõe defesa mútua em caso de ataque a qualquer membro. Isso colocaria potências nucleares em oposição e poderia acarretar uma Terceira Guerra Mundial.
Sibiha evitou antagonizar Trump, que havia se mostrado favorável a Zelenski. "Nós queremos um acordo completo. Isso é do interesse dos EUA. Com a liderança de Trump e o comprometimento europeu, temos uma chance de dar um novo ímpeto a esse processo", afirmou.
"Mas, até onde sei, nossos aliados americanos ainda não finalizaram seus planos", acrescentou, ecoando teorias que circulavam em Moscou até o último fim de semana, quando o governo Putin indicou que iria adiar os contatos com a equipe de Trump até que uma abordagem menos especulativa fosse definida.
O secretário Hegseth também a visitou a sede da Otan em Bruxelas, reafirmando que os membros europeus da aliança deveriam assumir a defesa do continente. Trump quer que os 30 membros da aliança na Europa aumentem de 2% a 5% do PIB o gasto com defesa, algo que é visto como irrealista.
Chefe da Otan diz que Putin é 'negociador forte'
O líder da aliança, o holandês Mark Rutte, procurou enviar uma mensagem à Rússia, mas acabou anunciando notícias desfavoráveis aos ucranianos. Ao afirmar que a Otan está "unida" e que qualquer paz deve passar por Kiev, disse que a adesão à aliança "nunca fez parte" de qualquer proposta de negociação para o fim do conflito.
Antes, a questão da inclusão era frequentemente mencionada a cada reunião da entidade. Rutte ainda fez uma deferência ao homem forte do Kremlin, destacando que "não sei o que está passando na cabeça do presidente Putin, claro. Ele é um negociador forte, muito imprevisível, mas, para alcançarmos um acordo de paz, precisamos dele lá".
Por sua vez, o Kremlin se manteve contido. Nesta quinta, o porta-voz Dmitri Peskov afirmou que o contato entre Trump e Putin demonstra "vontade política de ambos os lados" para encerrar o conflito na Ucrânia, sem considerar Zelenski na equação.
Peskov também enfatizou que, "de um jeito ou de outro, a Ucrânia participará das negociações, é claro". Ele não forneceu detalhes, mas revelou que haverá "uma via bilateral de diálogo entre Rússia e EUA e outra relacionada ao envolvimento ucraniano".
Peskov expressou ainda admiração pela disposição de Trump. De acordo com a agência RIA, a preparação do encontro pode levar semanas ou meses. Enquanto isso, um ex-presidente russo, Dmitri Medvedev, provocou os europeus usando seu habitual tom ácido ao afirmar: "A Europa, solteirona frígida, está louca de ciúmes e raiva", referindo-se à falta de comunicação com a UE sobre a ligação de Trump, comentando que isso "ilustra seu verdadeiro papel no mundo". "O tempo da Europa acabou", finalizou.
A próxima etapa das negociações ocorrerá nesta sexta-feira (14), na Conferência de Segurança de Munique, onde Zelenski e o vice-presidente americano J.D. Vance deverão se encontrar. O clima, que antes era favorável ao ucraniano, no entanto, encontrará novas dificuldades.
Zelenski aplica sanção a rival político
A situação política de Zelenski parece estar piorando em seu país. O presidente promulgou um decreto que impõe sanções a seu principal opositor, o ex-presidente Petro Porochenko, derrotado de modo inesperado nas eleições de 2019.
Porochenko, um dos homens mais ricos da Ucrânia e líder do maior partido de oposição no Parlamento, teve seus bens congelados. O Serviço de Segurança da Ucrânia argumentou que suas ações "minavam a segurança nacional".
"Os bilhões feitos naquilo que se assemelha à venda da Ucrânia precisam ser bloqueados e utilizados para proteger os ucranianos", disse Zelenski.
O presidente tem se tornado menos popular e, conforme pesquisas locais, hoje seria derrotado pelo ex-comandante das Forças Armadas, Valeri Zalujni, em uma eleição. Seu mandato expirou no ano passado, mas a lei marcial decorrente da guerra tem impossibilitado eleições, algo que seus opositores consideram uma forma de perpetuação no poder.
Putin, por sua vez, tem explorado essa divisão, argumentando que Zelenski não é legítimo para negociar a paz. Entretanto, o presidente russo não possui grande influência sobre a oposição ucraniana atualmente, sendo Porochenko um adversário declarado da Rússia.
Desde a queda da União Soviética em 1991, governos pró-Rússia e pró-Ocidente alternaram-se em Kiev, mas em 2014, a deposição do apoiador do Kremlin, Viktor Ianukovitch, levou Moscou a anexar a Crimeia e fomentar a guerra civil nas regiões russófonas do vizinho.
Enquanto os políticos debatem, a economia da Ucrânia apresentou reações positivas às notícias. O rublo valorizou-se e atingiu o nível mais alto em relação ao dólar desde setembro, enquanto os títulos soberanos em dólar da Ucrânia também mostraram ganhos significativos.
No campo de batalha, os combates continuam. O Ministério da Defesa da Rússia informou que o país capturou mais uma cidade no leste da Ucrânia, onde concentram suas ações. Hoje, Putin controla quase 20% do território ucraniano, incluindo a Crimeia.