Atrasos nos Vistos Para Portugal Afetam Brasileiros

Atrasos nos Vistos Para Portugal Afetam Brasileiros

A mudança na legislação de imigração em Portugal

(FOLHAPRESS) - O casal Amanda Albuquerque, 33, e Matheus Felipe da Silva, 29, começou a planejar a mudança para Portugal em setembro de 2023. Os dois são descendentes de portugueses, embora não tenham passaporte europeu, e suas profissões são demandadas no país europeu - ela confeiteira, ele especialista em tecnologia da informação. Uma prima que mora em Braga os hospedaria nos primeiros meses. O planejamento do casal, que reside em São Carlos, no interior de São Paulo, incluía até uma data para a mudança: setembro de 2024.

A estratégia seria a mesma utilizada pela maioria dos brasileiros: entrar em Portugal como turistas e, depois, fazer um procedimento chamado manifestação de interesse - criado em 2007, permitia que estrangeiros pedissem autorização de residência assim que chegassem em território português.

Em 3 de junho do ano passado, no entanto, o sonho de Amanda e Matheus começou a ficar mais difícil: em um esforço para se adequar às normas do Parlamento Europeu, o governo português extinguiu a manifestação de interesse. Isso obrigou todos aqueles que desejam emigrar para Portugal a obter vistos em seus países de origem. Atualmente, cerca de 400 mil brasileiros vivem em Portugal com documentação regularizada.

Implicações financeiras e emocionais

Para economizar custos com despachantes, Amanda e Matheus decidiram reunir a documentação por conta própria, gastando cerca de R$ 8 mil com taxas de cartório e apostilamentos. Eles entregaram a papelada em 22 de agosto de 2024, mas a VFS - empresa que faz a triagem de documentos para o consulado - deu uma previsão de 60 dias para a emissão dos vistos. Após cinco meses, ainda não estavam prontos.

“Saímos de nossos empregos, vendemos tudo, e agora estamos morando de favor na casa de uma tia, só com um colchão e cercados de malas”, diz Amanda. “É algo que nos abala emocionalmente, nem conseguimos dormir direito.”

Amanda foi uma das organizadoras de um protesto ocorrido no mês passado em frente aos consulados portugueses de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. Muitos manifestantes estavam na mesma situação que o casal de São Carlos, que pretendia entrar em Portugal como turistas e obter autorização de residência posteriormente.

Dificuldades na obtenção de vistos

Com o cancelamento do mecanismo de manifestação de interesse, todos foram obrigados a solicitar o visto. Os consulados portugueses no Brasil não conseguiram lidar com a enorme demanda que surgiu, e a situação afetou até a VFS, que chegou a perder os documentos de Matheus, atrasando ainda mais o processo.

Emillayne da Silva Paiano, 27, e Luís Henrique Frugeri, 25, de Presidente Prudente, também enfrentaram problemas ainda maiores. Após comprar passagens e pagar por um serviço de despachante para apressar o processo, eles gastaram cerca de R$ 12 mil. O planejamento deles era semelhante ao de Amanda e Matheus: entrar como turistas e fazer a manifestação de interesse. Com a mudança na legislação, eles protocolaram a documentação no dia 27 de julho do ano passado, e o despachante previu que o visto seria emitido em 40 dias. “Estamos esperando há seis meses. Já perdemos as passagens, compradas na promoção. Quando o visto sair, vamos ter de pagar caro pela remarcação”, lamenta Emillayne.

Pressões e a situação dos consulados

A União Europeia sempre pressionou os países para que a principal via de entrada fosse o visto, diz Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, uma associação que dá assistência a imigrantes. “O problema é que, se o governo português quer exigir uma migração regularizada, os canais têm que funcionar”.

Segundo ela, países como França, Bélgica e Alemanha, acostumados há tempos a um fluxo expressivo de imigrantes, têm estrutura melhor em seus consulados. “Portugal, historicamente, é um país de emigrantes, que só agora está aprendendo a lidar com essa situação. Há falta de pessoal, e o sistema informático ainda não é ideal.”

Procurado pela reportagem, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal não respondeu às perguntas até a última sexta-feira. Em setembro, o MNE abriu concurso para contratar mais 50 funcionários para os diversos consulados portugueses espalhados pelo mundo.

Em outubro, a Assembleia da República portuguesa aprovou uma lei que permite a regularização a posteriori para imigrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), embora essa lei ainda precise da sanção do presidente da República.

Emillayne sonha em trabalhar na área de turismo, utilizando seu domínio do inglês, enquanto Luís, seu namorado, é barbeiro, um setor que está crescendo em Portugal. Amanda acredita que conseguirá emprego em lanchonetes ou restaurantes, e pensa em criar um negócio próprio. Matheus, além de trabalhar em TI, tem formação em mecânica de precisão.

Os dois casais veem Portugal como o lugar ideal para prosperar e construir uma família, devido à segurança e às oportunidades. Contudo, antes de qualquer passo, eles precisam enfrentar o oceano da burocracia.