Perolas ao Velho Chico: O SÃO FRANCISCO QUE CONHECI E GUARDO NA MEMÓRIA
08/01/2025, 14:59:04Artigo escrito em 2001, ano em que o rio da Unidade Nacional comemorava seus 500 anos.
Nasci na bela e hospitaleira cidade do Penedo e tive na minha infância a felicidade de desfrutar das mais ricas visões que um rio pode nos
propiciar. Vi suas embarcações de grandes e pequenos portes, atracadas ao porto como se formassem filas no sentido horizontal embelezando, sobremaneira, o manancial aquático com que DEUS nos presenteou, imagens estas, que jamais sucumbirão da minha memória por tamanha riqueza.
Vi por algumas vezes o caudaloso rio amarelar suas águas, avisando da enchente que se avizinhava, trazendo em meio às suas maroadas as baronesas, capins, troncos de madeiras flutuantes e tantos outros objetos, mostrando-nos, talvez, que já estávamos a sujar as nossas futuras águas de beber.
A força de suas correntezas era temida em todo o trajeto da sua longa viagem de 2.700 km até a sua despedida na foz entre a majestosa praia do Peba em Alagoas e o povoado do Cabeço no vizinho estado de Sergipe, hoje em extinção. Como era bonito contemplar a fúria de tão ricas águas em variedades de peixes, canais por onde irrigava 90 lagoas de arroz, braços por onde se escondiam matagais protetores da criação dos piaus, através da sombra da copa das arvores ribeirinhas.
Esse rio que com as suas enchentes parecia desafiar o menino-piaba, para pular dos pontos mais altos da famosa rocheira, da pedra da
pinheira, do telhado do passo imperial, hoje memorial Raimundo Marinho, revelando para os turistas a coragem daqueles meninos-rapazes, que por incoerência e inconseqüência atiravam-se em queda livre rasgando o vento nas emoções maiores do jovem sonhador; quem sabe, até ambicionando uma foto do seu desafiador salto para o encontro com águas que lhes refrescavam o corpo, dando-lhes uma acolhida abençoada pelo santo que batiza ao mesmo rio.
Assisti por centenas de vezes ao espetáculo ímpar das enormes filas de carros e caminhões que aguardavam a oportunidade da travessia nas balsas que ainda costuravam as profundas águas que interligam os estados nordestinos de Alagoas e Sergipe.
Testemunhei “ocularmente” – presencialmente – também as maiores festas do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, que promovia o grande encontro das embarcações que povoavam as margens do rio da unidade nacional, tornando a visão daquele misto local de terra e água numa das mais belas paisagens que um ser humano pode desfrutar.
Centenas de canoas, barcos, lanchas singravam as caudalosas águas do “Velho Chico” destacando-se o imponente trans-são-franciscano Comendador Peixoto, navio de porte avantajado para navegar em águas fluviais, dando magnitude ao cortejo que ainda hoje simboliza a fé do homem ribeirinho e a sua gratidão ao seu companheiro de vida no mais puro símbolo do cristianismo: água para matar nossa sede, peixe para saciar nossa fome.
Relembro ainda das aventuras vividas por intermédio do meu pai, conhecido Major Horácio, que por tantas vezes nos fez viajar para o sertão,
onde tínhamos um pequeno sitio no povoado de Limoeiro, município de Pão de Açúcar, tornando-nos possível subir o rio nas famosas lanchas Tupy, Tupygi e Tupan, da família Barreto de Neópolis, que fizeram chegar aos rincões mais distantes do nosso Baixo São Francisco, Neópolis – Piranhas, as novidades da cidade, e em troca traziam para nós, as riquezas produzidas pelos povos de tantos lugares que margeiam o “Velho Chico”.
Ainda na nossa querida Penedo nasce o movimento Custeau-São Francisco, através de um apaixonado por este rio, filho de suas margens, a figura do inesquecível “Ligação”, que talvez antevendo as angústias e lamúrias vividas hoje pelo respeitado e temido rio, fazia uma vez por ano uma expedição Penedo – Xingó; quem sabe, clamando pela conservação do nosso maior manancial aquático nacional.
Nesta semana em que se comemora os seus 500 anos, cobremos de nós e repassemos para os nossos descendentes a conscientização do valor do Rio São Francisco nas nossas vidas, pois a ele devemos fonte de liquido, fonte de comida, fonte de higiene pessoal, e se não bastasse estes fatores fundamentais à nossa vida, nos dá inúmeras formas de energias para nosso conforto.
Se merecemos não posso afirmar, nem que sim, nem que não, mas sei de que não correspondemos ao que ele nos dá.
Que vivamos o São Francisco, mas deixemos ele viver também.
Raul Rodrigues de Lima Gomes – Prof. do Colégio Marista de Maceió e Diretor do Jornal da Casa do Penedo.