'007': por dentro da fábrica de dispositivos de espionagem do Reino Unido
12/12/2023, 09:19:45Escondida atrás de uma camada de cinco anéis de arame farpado, nos arredores da cidade de Milton Keynes, a cerca de 90 km de Londres, encontra-se uma fábrica incomum e que, em 85 anos de história, jamais havia aberto suas portas aos meios de comunicação — até agora.
No Centro de Comunicações Governamentais de Sua Majestade (HMGCC, da sigla em inglês) em Hanslope Park, são produzidos o que parecem ser objetos do cotidiano.
Mas essa não é a história completa — ela envolve o decifrador de códigos Alan Turing, salas vedadas e comparações com dispositivos ultrassecretos dos filmes de James Bond.
Para que a BBC tivesse o acesso exclusivo às extensas instalações, tivemos que entregar nossos telefones à equipe de segurança, que nos acompanhou durante toda a visita.
O motivo do forte esquema de segurança? Esses objetos são feitos para serem usados pelos espiões do Reino Unido e ajudam a disfarçar seu trabalho.
Tivemos uma ideia — mas não muito mais que isso — do que se passa lá dentro, à medida que o HMGCC busca estabelecer novas parcerias para se manter à frente no jogo da espionagem.
"Tornamos muito difícil as pessoas se conectarem com a gente e isso, ao longo de nossa história, foi uma ótima maneira de se trabalhar", explica o CEO George Williamson.
Mas ele diz que agora é hora de mudar — mesmo que isso pareça "estranho".
Com prédios de aparência normal, o local parece um parque industrial.
Engenheiros, físicos, químicos, designers, programadores e outros especialistas trabalham no que é descrito, de forma vaga, como uma "mistura de arte e engenharia".
Em algumas áreas temos que vestir roupas antiestáticas, enquanto em outras somos mostrados uma variedade desconcertante de máquinas. Entre elas estão as que fabricam placas de circuito eletrônico, cortadores a laser e impressoras 3D (rotuladas como Darth Vader, Luke e Leia em uma homenagem a Star Wars).
Mas para que servem exatamente as criações dessas máquinas? Apesar dos meus esforços, ninguém dirá. Isso ocorre porque os dispositivos que saem do outro lado são altamente confidenciais.
Mas o passado pode dar pistas. O HMGCC foi criado às vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando espiões e diplomatas na Europa precisavam se comunicar de forma secreta e segura com o Reino Unido.
Foram desenvolvidos sistemas de rádio secretos que podiam ser contrabandeados numa mala diplomática. Alguns deles foram usados por oficiais que fugiam de Varsóvia quando os alemães invadiram a Polônia em 1939 para passar informações sobre o que se passava.
Quando a guerra começou, evoluiu-se para a construção de aparelhos de rádio ainda menores, que pudessem ser dados a agentes do MI6 enviados para coletar inteligência nas linhas inimigas da Europa ocupada.
Durante a guerra, Turing viveu e trabalhou em Hanslope Park. Mais famoso por quebrar códigos nazistas no vizinho Bletchley Park, ele trabalhou no HMGCC para desenvolver um dispositivo que pudesse fornecer criptografia de fala.
À época, o sistema existente usado pelos líderes da guerra Winston Churchill e Franklin D Roosevelt, pesava 50 toneladas. O protótipo de Turing, Delilah, sobrepôs o ruído de um toca-discos à fala. Era portátil, à frente de seu tempo e é mais uma pista do que hoje se constrói ali.
"Suspeito que seja possível fazer uma linha do tempo conectada diretamente ao que estava acontecendo lá há 70 ou 80 anos", disse o sobrinho de Turing, Sir Dermot Turing, à BBC.
"A necessidade de comunicações seguras não desapareceu."
Mas como isso se relaciona com o mundo moderno? Hoje em dia, agentes secretos que operam em áreas como Rússia ou Irã precisam se comunicar.
Embora o HMGCC não comente, outras fontes dizem que os espiões modernos dependem de aparelhos como transmissores clandestinos. Eles podem parecer objetos comuns e enviar informações em frações de segundo. Imagino que seja isso que se faz aqui — mas ninguém quer confirmar.
Outro objeto que me é mostrado fornece mais pistas sobre o que o HMGCC faz.
É um alto-falante de rádio de carro que remonta à década de 1930. Escondido na parte de trás, um transmissor secreto.
Comunicação é uma parte do trabalho. Mas também, ao que parece, dispositivos de escuta e rastreamento ocultos, embora, mais uma vez, os funcionários mantenham as bocas fechadas quando pergunto.
"Durante a maior parte dos nossos 85 anos, produzimos sistemas de comunicações seguros que permitem que pessoas em locais muitas vezes difíceis, perigosos e remotos comuniquem-se em segredo com o Reino Unido", diz Williamson.
"Para algumas de nossas agências de segurança nacional, podemos ajudar em alguns de seus trabalhos de investigação, produzindo tecnologias que os ajudem a fazer coisas como vigilância."
Um dos clientes do HMGCC é o MI5, que pode precisar ouvir secretamente um suspeito em sua casa no Reino Unido, ou rastreá-lo em um veículo.
Isto poderia envolver disfarçar um dispositivo de escuta como um objeto do cotidiano, que ninguém detectaria. O que seria isso é outra coisa que ninguém quer discutir.
A tentação é dizer que tudo isso é como o departamento Q, dos filmes de James Bond. Pessoas de dentro dizem que a comparação não está certa — entendo que seja porque eles não fabricam objetos que explodem, ou carros com lançadores de foguetes, mas é difícil ter certeza absoluta.
Numa sala com piso de borracha, dois funcionários testam dispositivos elétricos para garantir que não causem choques indesejados. Em outro lugar, os itens fabricados aqui são testados em temperaturas extremas de calor e frio para garantir que sejam capazes de transmitir e receber sob essas condições.
Um dos lugares estranhos que me mostram chama-se Stargate, um container vedado, forrado com uma espuma cinza com pontas. Trancado lá dentro, parece uma versão moderna de uma câmara de tortura medieval.
A sala tem uma plataforma giratória que movimenta um aparelho, com sensores testando que tipo de padrão um determinado equipamento de comunicação emite.
Isso pode ajudar a descobrir a probabilidade de o dispositivo ser detectado por um estado hostil e, também, talvez, como identificar aparelhos que eles estejam usando no seu território.
Dentro de limites bastante rigorosos, o HMGCC abre-se agora porque sabe que novas tecnologias que podem ser vitais para a sua missão estão sendo desenvolvidas em pequenas start-ups e no meio acadêmico.
A tecnologia pode estar relacionada a campos distantes da segurança nacional - mas pode haver aplicações que os desenvolvedores desconhecem.
Anteriormente, essa segurança rigorosa teria tornado a colaboração impossível. Mas a esperança é que agora possa acontecer.
"A ideia é que possamos pegar nos nossos engenheiros e nas suas grandes ideias e colocá-los na mesma sala que as pessoas da indústria ou da academia", diz Williamson.
"No momento mágico em que você reúne ideias diferentes, algo realmente especial pode surgir."
Mas a forma como essa tecnologia acaba sendo usada provavelmente permanecerá tão secreta quanto quase todo o restante neste lugar.
No Centro de Comunicações Governamentais de Sua Majestade (HMGCC, da sigla em inglês) em Hanslope Park, são produzidos o que parecem ser objetos do cotidiano.
Mas essa não é a história completa — ela envolve o decifrador de códigos Alan Turing, salas vedadas e comparações com dispositivos ultrassecretos dos filmes de James Bond.
Para que a BBC tivesse o acesso exclusivo às extensas instalações, tivemos que entregar nossos telefones à equipe de segurança, que nos acompanhou durante toda a visita.
O motivo do forte esquema de segurança? Esses objetos são feitos para serem usados pelos espiões do Reino Unido e ajudam a disfarçar seu trabalho.
Tivemos uma ideia — mas não muito mais que isso — do que se passa lá dentro, à medida que o HMGCC busca estabelecer novas parcerias para se manter à frente no jogo da espionagem.
"Tornamos muito difícil as pessoas se conectarem com a gente e isso, ao longo de nossa história, foi uma ótima maneira de se trabalhar", explica o CEO George Williamson.
Mas ele diz que agora é hora de mudar — mesmo que isso pareça "estranho".
Com prédios de aparência normal, o local parece um parque industrial.
Engenheiros, físicos, químicos, designers, programadores e outros especialistas trabalham no que é descrito, de forma vaga, como uma "mistura de arte e engenharia".
Em algumas áreas temos que vestir roupas antiestáticas, enquanto em outras somos mostrados uma variedade desconcertante de máquinas. Entre elas estão as que fabricam placas de circuito eletrônico, cortadores a laser e impressoras 3D (rotuladas como Darth Vader, Luke e Leia em uma homenagem a Star Wars).
Mas para que servem exatamente as criações dessas máquinas? Apesar dos meus esforços, ninguém dirá. Isso ocorre porque os dispositivos que saem do outro lado são altamente confidenciais.
Mas o passado pode dar pistas. O HMGCC foi criado às vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando espiões e diplomatas na Europa precisavam se comunicar de forma secreta e segura com o Reino Unido.
Foram desenvolvidos sistemas de rádio secretos que podiam ser contrabandeados numa mala diplomática. Alguns deles foram usados por oficiais que fugiam de Varsóvia quando os alemães invadiram a Polônia em 1939 para passar informações sobre o que se passava.
Quando a guerra começou, evoluiu-se para a construção de aparelhos de rádio ainda menores, que pudessem ser dados a agentes do MI6 enviados para coletar inteligência nas linhas inimigas da Europa ocupada.
Durante a guerra, Turing viveu e trabalhou em Hanslope Park. Mais famoso por quebrar códigos nazistas no vizinho Bletchley Park, ele trabalhou no HMGCC para desenvolver um dispositivo que pudesse fornecer criptografia de fala.
À época, o sistema existente usado pelos líderes da guerra Winston Churchill e Franklin D Roosevelt, pesava 50 toneladas. O protótipo de Turing, Delilah, sobrepôs o ruído de um toca-discos à fala. Era portátil, à frente de seu tempo e é mais uma pista do que hoje se constrói ali.
"Suspeito que seja possível fazer uma linha do tempo conectada diretamente ao que estava acontecendo lá há 70 ou 80 anos", disse o sobrinho de Turing, Sir Dermot Turing, à BBC.
"A necessidade de comunicações seguras não desapareceu."
Mas como isso se relaciona com o mundo moderno? Hoje em dia, agentes secretos que operam em áreas como Rússia ou Irã precisam se comunicar.
Embora o HMGCC não comente, outras fontes dizem que os espiões modernos dependem de aparelhos como transmissores clandestinos. Eles podem parecer objetos comuns e enviar informações em frações de segundo. Imagino que seja isso que se faz aqui — mas ninguém quer confirmar.
Outro objeto que me é mostrado fornece mais pistas sobre o que o HMGCC faz.
É um alto-falante de rádio de carro que remonta à década de 1930. Escondido na parte de trás, um transmissor secreto.
Comunicação é uma parte do trabalho. Mas também, ao que parece, dispositivos de escuta e rastreamento ocultos, embora, mais uma vez, os funcionários mantenham as bocas fechadas quando pergunto.
"Durante a maior parte dos nossos 85 anos, produzimos sistemas de comunicações seguros que permitem que pessoas em locais muitas vezes difíceis, perigosos e remotos comuniquem-se em segredo com o Reino Unido", diz Williamson.
"Para algumas de nossas agências de segurança nacional, podemos ajudar em alguns de seus trabalhos de investigação, produzindo tecnologias que os ajudem a fazer coisas como vigilância."
Um dos clientes do HMGCC é o MI5, que pode precisar ouvir secretamente um suspeito em sua casa no Reino Unido, ou rastreá-lo em um veículo.
Isto poderia envolver disfarçar um dispositivo de escuta como um objeto do cotidiano, que ninguém detectaria. O que seria isso é outra coisa que ninguém quer discutir.
A tentação é dizer que tudo isso é como o departamento Q, dos filmes de James Bond. Pessoas de dentro dizem que a comparação não está certa — entendo que seja porque eles não fabricam objetos que explodem, ou carros com lançadores de foguetes, mas é difícil ter certeza absoluta.
Numa sala com piso de borracha, dois funcionários testam dispositivos elétricos para garantir que não causem choques indesejados. Em outro lugar, os itens fabricados aqui são testados em temperaturas extremas de calor e frio para garantir que sejam capazes de transmitir e receber sob essas condições.
Um dos lugares estranhos que me mostram chama-se Stargate, um container vedado, forrado com uma espuma cinza com pontas. Trancado lá dentro, parece uma versão moderna de uma câmara de tortura medieval.
A sala tem uma plataforma giratória que movimenta um aparelho, com sensores testando que tipo de padrão um determinado equipamento de comunicação emite.
Isso pode ajudar a descobrir a probabilidade de o dispositivo ser detectado por um estado hostil e, também, talvez, como identificar aparelhos que eles estejam usando no seu território.
Dentro de limites bastante rigorosos, o HMGCC abre-se agora porque sabe que novas tecnologias que podem ser vitais para a sua missão estão sendo desenvolvidas em pequenas start-ups e no meio acadêmico.
A tecnologia pode estar relacionada a campos distantes da segurança nacional - mas pode haver aplicações que os desenvolvedores desconhecem.
Anteriormente, essa segurança rigorosa teria tornado a colaboração impossível. Mas a esperança é que agora possa acontecer.
"A ideia é que possamos pegar nos nossos engenheiros e nas suas grandes ideias e colocá-los na mesma sala que as pessoas da indústria ou da academia", diz Williamson.
"No momento mágico em que você reúne ideias diferentes, algo realmente especial pode surgir."
Mas a forma como essa tecnologia acaba sendo usada provavelmente permanecerá tão secreta quanto quase todo o restante neste lugar.