Tragédia da Braskem se tornou um enredo de hipocrisia e de autoanistia
04/12/2023, 09:15:10Tragédia era do conhecimento de poucos. Mas dos que podiam impedir tamanho desastre
Qualquer pessoa que acompanhe com alguma atenção a disputa política local há de ficar incomodado, imagino, vendo o espetáculo de hipocrisia, com evidente objetivo de autodefesa antecipada, sobre a mais recente tragédia da Braskem.
Mais recente, sim, mas produto de outra que já tem quase cinquenta anos de história.
Mas vou procurar me ater ao episódio de agora e o embate entre personagens que não podem reclamar inocência. Mais do que isso, precisam dar explicações à população, pelo que fizeram e pelo que deixaram de fazer – por motivos os mais diversos: por dinheiro ou preguiça, esta última, prenúncio do crime anunciado.
Aos personagens de agora
Publicação recente da UFAL mostra que há estudos da universidade, desde a década de 1980, mostrando os riscos do afundamento de vários bairros de Maceió.
Destaque para o professor José Geraldo Marques, que se manifestou contra a instalação da Salgema em Maceió, numa área de restinga.
A indústria aqui aportou em 1976 e, como já trouxe este blog, “em 1982, havia acontecido um acidente grave na empresa, com uma grande explosão – em 31 de março -, que resultou na morte de um trabalhador, o que gerou medo para a população da região em que a Salgema – hoje Braskem – foi instalada”.
Pois bem: entre 1993 e 1994 o senador Renan Calheiros presidiu a Braskem, o que foi fundamental para a sua recuperação política e financeira, após o desastre nas eleições de 1990.
São perguntas indispensáveis para se fazer um debate sério sobre o tema: quais as providências que ele determinou para assegurar a segurança dos trabalhadores e da população da capital quando esteve no comando da mineradora?
Quantos estudos técnicos e científicos mandou realizar a quais os resultados que obteve, então?
Ao longo dessas décadas, ele recebeu recursos da empresa, com ou sem Odebrecht, para suas campanhas eleitorais?
Por que ao longo dos últimos anos nunca cobrou, com a veemência que lhe é conhecida, a responsabilização da Braskem pelos crimes cometidos, só o fazendo agora ao ver JHC se dar bem na negociação com a mineradora (falou sobre o prefeito daqui a pouco)?
O ministro Renan Filho já era governador de Alagoas há quatro anos quando o afundamento de Maceió ficou evidente. Nesse período, quantas licenças o IMA, que haveria de seguir as suas inquestionáveis determinações, concedeu para o funcionamento da mineradora, como se tudo fosse lindo e maravilhoso?
Quantos estudos ele cobrou da mineradora, que assegurassem o que, está claro, não foi entregue aos moradores dos cinco bairros atingidos, se manifestando – até agora ele era só silêncio – apenas neste momento como um julgador severo e prenhe de razão?
JHC, no caso, é uma piada (de mau gosto) pronta. Não há inocência, também na sua conduta. O recebimento da farta grana da Braskem, antes que o conjunto das vítimas fosse seriamente contemplado – e é até impossível falar em justiça -, o põe no campo dos cúmplices, com os seus adversários de nível tão semelhante.
Por que não colocou, desde sempre, os moradores dos Flexais como uma necessidade de realocação da área que restou deserta pela ação da Braskem?
Era o mínimo que poderia ter feito, e não fez, encantado tão somente com os bilhõe$ da indenização da mineradora (aliás, quem fez os cálculos para a prefeitura?).
Restou Dantas, um personagem que continua do tamanho do que foi como deputado estadual e que chegou ao Palácio graças apenas à sua fidelidade a Marcelo Victor, o poderoso presidente da Assembleia, a quem deve obediência.
Parece claro, até pelo seu histórico, que a preocupação de Dantas é com a gorda indenização que a Fazenda Estadual há de receber.
Ressalto: estado e município deverão ser indenizados, sim, mas só depois que a verdadeiras vítimas o forem. Antes disso, é um carnaval fora de época, em que os foliões cantam e se divertem diante das lágrimas da plateia.
Este breve texto não é um libelo acusatório. Não tenho capacidade nem me cabe fazê-lo. As cobranças aqui apresentadas são da seara política, porque o que acompanhamos por aqui é uma guerra rasteira e interesseira numa área tão fundamental para a espécie humana – e que essa gente trata de degradar.
Louve-se a determinação e atuação dos técnicos que não economizam trabalho e inteligência na defesa do que precisa ser feito, embora quase nunca sejam ouvidos.
Podemos retroagir no tempo, buscar outros personagens que poderiam ter evitado que Maceió chegasse ao momento de tragédia ora vivido. Você, leitora e leitor, bem que pode fazer esse exercício. O que pretendi demonstrar é que não há sentimentos nobres humanos, e nós precisamos sempre tê-los – principalmente os que têm condições de fazer o bem e não o fazem -, para que não seja a permanente animanização a envenenar a discussão.
Algumas explicações pessoais
Serei breve nesse ponto.
Não, eu nunca recebi um Prêmio Braskem de Jornalismo. A homenagem que recebi – a honrosa Medalha Denis Agra - foi do Prêmio do Banco, que antecedeu o depois batizado pela mineradora.
Não acho que os colegas que o receberam carreguem alguma culpa, afinal a imprensa local, maciçamente, continuou vigilante em relação às ações da Braskem. Se não participei da decisão do Sindicato dos Jornalistas sobre a mudança do nome do prêmio, também não vejo no ocorrido – como explicado acima – nenhuma razão para apontar a entidade como parte na cumplicidade e omissão quanto ao que vemos hoje. Várias empresas batizam prêmios de jornalismo, de artes, de propaganda em todo o país, sem que isso signifique a venda da alma dos que são contemplados.
Envelhecer pode não ter lá muitas vantagens, e não tem, mas carregar na memória a construção de uma história não pode ser algo que possamos descartar por conveniência.
Apurar essa história com mais profundidade e consequência é uma exigência que se faz às instituições que têm essa missão constitucional, para que amanhã elas não estejam numa lista com nomes tão profundamente comprometidos com a tragédia urbana vivida por Maceió.