Campos Neto vai se colocar como canal entre governo Lula e Congresso

Campos Neto vai se colocar como canal entre governo Lula e Congresso
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai se colocar na conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como interlocutor privilegiado do Congresso, alguém que pode ajudar o governo a desenhar sua estratégia e aprovar medidas da agenda econômica.


A ideia de Campos Neto é estabelecer um canal de conversa com Lula e procurar mostrar que, mesmo o BC sendo autônomo, ele pode ajudar o governo com informações e atitudes, especialmente em relação à oposição bolsonarista, meio onde ele tem muitos contatos.
A reunião do presidente da República e o do Banco Central é a primeira entre eles desde o início do governo. Lula, que hostilizou Campos Neto nos primeiros meses do mandato por causa das altas taxas de juros, só aceitou receber Campos Neto depois de duas quedas de 0,5 ponto na Selic, a primeira em agosto e a segunda em setembro.


As taxas de juros são determinadas pelo Copom, o comitê de política monetária do BC, em que o presidente do banco tem um dos votos, com peso igual ao dos outros membros. Ainda assim, supõe-se que Campos Neto tem alguma liderança sobre o colegiado.
O encontro, pedido por ofício por Campos Neto a Lula depois da primeira queda nos juros, foi articulado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, e coroa uma estratégia de meses do presidente do BC para se aproximar do governo.


Nos meses em que Lula o chamava de "esse cidadão" e dizia que ele não entendia as necessidades do país, Campos Neto tentou marcar reuniões com vários ministros e encontrou as portas fechadas, especialmente entre os mais ligados a Lula.
O presidente do BC também procurou ajudar Haddad nas conversas com bolsonaristas reticentes aos parâmetros do arcabouço fiscal votado na Câmara e agora está tentando encontrar uma solução na negociação para conter os juros no cartão de crédito rotativo.
Agora que Lula admite aos auxiliares que vai deixar os ataques de lado e partir para o diálogo, essas portas devem se abrir.


Conforme informamos na coluna, o presidente está especialmente preocupado com o volume de crédito concedido no Brasil. De acordo com interlocutores do presidente, foi isso o que o fez decidir receber Campos Neto.
"O tom vai ser de diálogo, não vai ter mais briga", diz um aliado do presidente da República, para quem a ideia é tentar convencer Campos Neto a reforçar, no Banco Central, a pressão por uma queda mais rápida na taxa de juros.


As pesquisas de opinião internas do governo demonstram que a maior queixa e preocupação dos brasileiros é com as altas taxas de juros, especialmente no cartão de crédito. Nos últimos meses, empresários com acesso ao presidente também tem reclamado muito das altas taxas, e o debate sobre o projeto de lei que pretende cortar o juro rotativo do cartão de crédito continua a opor varejo e bancos.
De acordo com o blog de Miriam Leitão, dados do próprio BC mostram que a inadimplência do cartão de crédito parcelado quase quintuplicou de tamanho ao longo dos últimos cinco anos, atingindo em agosto 10,5% dos empréstimos, o maior patamar da série histórica do Banco Central, iniciada em 2011. Em agosto de 2018, há meia década, esse percentual era de 2,2%.


Em agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou a taxa de juros usados nos títulos públicos, a Selic, pela primeira vez no governo Lula – 13,75% para 13,25%. Em setembro, fez mais um corte, para 12,75%. A ata da última reunião, divulgada nesta terça, indica que haverá ainda mais dois cortes de 0,5 ponto até o final do ano, levando a Selic para 11,75%.
Nas últimas semanas, surgiram no radar projeções mais otimistas, de um recuo de 0,75 ponto, em pelo menos uma das reuniões. Mas, na ata, o comitê indicou que isso não vai ocorrer.
Além disso, o presidente tem recebido constantes alertas sobre o risco de usar os bancos públicos, como Caixa Econômica Federal e BNDES, para conceder crédito a taxas subsidiadas, como foi feito no passado. Isso porque, nessa circunstância, o Banco Central seria obrigado a manter a Selic mais alta, para obter uma taxa de juro neutra maior.